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Sinopse

Em Os Fantasmas Ainda se Divertem, Delia e Lydia precisam retornar à casa da família em Winter River após a morte de Charles. Astrid, que não se dá bem com a mãe, é também chamada. Porém, uma vez lá, a garota acaba se envolvendo em uma confusão entre os limites da vida com a morte. Diante dessa ameaça, só há uma maneira de salvá-la: recorrer ao endiabrado demônio que habita a maquete da pequena cidade: o imprevisível Beetlejuice. Porém, ele também está em uma enrascada, e ao receber tal chamado percebe ali uma oportunidade única.

Crítica

Eis que quem tanto espera... não é que às vezes alcança? Foram quase quatro décadas entre Os Fantasmas se Divertem (1988) e esse Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice, uma demora que parecia não ter data para acabar, ainda mais por se tratar de filmes dirigidos por um cineasta conhecido por sua repulsa por sequências e continuações – a única que havia feito em toda a sua carreira até então fora Batman: O Retorno (1992), que lhe deixara traumas profundos – e por sua inadequação em lidar com as demandas da indústria quando em conflito com seu ímpeto criativo e autoral. Mas valeu a pena. Essa segunda incursão do alucinado Beetlejuice pela tela grande não apenas justifica seu apelo enquanto ícone pop e cultural, como também presta tributo ao longa anterior, não subvertendo a ordem das coisas e preservando a mesma estrutura vista tantos anos antes. E assim é hábil em recriar uma magia quase perdida, estabelecendo forte sintonia com os fãs e admiradores do primeiro filme, ao mesmo tempo em que se abre para uma recém-chegada audiência.

Em relação ao elenco original, o diretor Tim Burton tinha dois problemas pela frente. O primeiro a ser descartado foi Alec Baldwin (envolto em um imbróglio com a justiça após ter matado, ainda que acidentalmente, a diretora de fotografia de um projeto com o qual estava envolvido, ao usar uma arma que deveria ser cenográfica, mas na realidade era real). Com ele foi também Geena Davis – os dois interpretavam os tais “fantasmas” do título, e um olhar clínico poderia afirmar que a história de ambos havia, de fato, se encerrado. Mas o que fazer com Jeffrey Jones, que aparecia como Charles, o pai da família que adquiria a casa habitada por fantasmas? Acontece que ele foi preso em 2002 por posse de pornografia infantil e, ainda que as acusações tenham sido posteriormente retiradas, segue registrado como agressor sexual. Tanto é que, por uma questão legal, acabou preso em 2010, resultando em mais três anos de liberdade condicional e um período de serviço comunitário. Ou seja, cancelado é pouco a dizer a seu respeito.

Burton não ignora esse histórico do ator, e ainda que o personagem permaneça nessa segunda trama, seu desfecho é um dos acertos da produção – mais do que isso não se pode dizer, por questões de spoiler. O ponto, porém, é que se antes as atenções estavam em dois recém-falecidos tendo que se adaptar à vida pós-morte, agora os olhares se voltam à herança deixada para aqueles que aqui permanecem. No caso, três gerações de mulheres: Delia (Catherine O’Hara, mantendo-se fiel à personagem do início ao fim), esposa de Charles e madrasta de Lydia (Winona Ryder, que oferece uma nova versão a essa figura sombria e insegura dos próprios dons), e Astrid (Jenna Ortega, reprisando a figura rebelde e carismática vista em Wandinha, 2022, sua primeira parceria com o cineasta), filha de uma e neta (por conveniência) da outra. Quando o trio se reúne na mesma casa do alto da colina onde por anos foi esquecida a maquete da cidade que serve também de portal para um caótico e debochado demônio, não irá demorar até que tenham que recorrer a ele para, mais uma vez, se verem livres de problemas que ligam o mundo dos vivos com o dos mortos – e vice-versa.

Duas coisas merecem ser apontadas como acertos em Os Fantasmas Ainda se Divertem. Primeiro, mantém-se Beetlejuice (Michael Keaton, retornando com gosto a um dos personagens mais emblemáticos de toda a sua carreira, comparável apenas ao Homem-Morcego de Batman, 1989, ou ao ator em crise de Birdman, 2014) como um coadjuvante repleto de energia capaz de roubar as cenas em que aparece mas, e isso é importante, não o filme como um todo. Por mais que dessa vez ele tenha uma agenda própria – se livrar de uma noiva-cadáver remendada e vingativa (Monica Bellucci, atual namorada de Burton, fazendo às vezes de Helena Bonham Carter ou Lisa Marie, antigas companheiras do cineasta que também eram presenças frequentes em suas obras), ele está na maior parte do tempo a serviço dos imbróglios provocados por decisões e enganos dos vivos – no caso, do trio feminino da família Deetz (Delia, Lydia e Astrid). E é aqui que se identifica uma outra armadilha que foi com sucesso evitada: este não é um veículo para o estrelato de Ortega (em alta desde o sucesso de Wandinha), e o que se percebe é o encaixe orgânico da atriz ao resto do elenco, fazendo de sua personagem um acréscimo, e não um estorvo.

Mas, claro, nem tudo são flores. Por mais que seja um deleite encontrar Danny DeVito em uma ponta e contar com um divertido Willem Dafoe (que está em um filme à parte, mesmo que isso não chegue a ser um problema) ou mesmo a já citada Bellucci fazendo caras e bocas, nem tudo funciona de acordo com o esperado. Outra novidade do elenco, o geralmente competente Justin Theroux, se mostra desconfortável, entre o canastrão e o inadequado, com planos vilanescos que não envolvem e nem despertam curiosidade, visto que será certa a sua frustração. Também decepcionam alguns desfechos, como o garoto-fantasma ou mesmo outras presenças que até chegam a ser alardeadas como catalisadoras de mudanças, mas são descartadas de uma hora para outra sem muita cerimônia, como num simples apertar de botão. É, enfim, um grande circo, com direito a torta na cara (ou cara na torta, para ser mais exato), interlúdios musicais que divertem (mas pouco agregam) e calabouços que se abrem sobre os pés de desavisados sem sinais de alerta. E se Beetlejuice mais uma vez se mostra maior que o filme, Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice confirma que Tim Burton segue como um nome de impacto mais duradouro e profundo que sua obra em si. Um mérito, afinal, que só quem possui uma assinatura própria pode reclamar – o que não deixa de ser o caso.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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