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Sinopse

Em Os Farofeiros 2, Alexandre, Lima, Rocha e Diguinho partem com suas respectivas famílias para mais uma típica farofada. Desta vez o destino é um supostamente paradisíaco resort na Bahia, com direito a piscina de higiene duvidosa, paredes de papelão e muita confusão nas praias.

Crítica

Dentro da lógica cinematográfica industrial, continuações são muito bem-vindas porque indicam sucessos. Os Farofeiros 2 é a sequência de um longa-metragem que levou mais de dois milhões de espectadores às salas de cinema, ou seja, provavelmente há expectativas prévias de performance semelhante condicionando até as escolhas estético-narrativas. A trama mostra Alexandre (Antônio Fragoso) como um chefe cuja popularidade em baixa com sua equipe coloca em risco uma promoção futura. Aconselhado pela superior a dividir com os subordinados um prêmio por êxito profissional, ele coloca todo mundo num ônibus caindo aos pedaços rumo à Bahia, agindo com o bom e velho puxa-saquismo corporativo visando se dar bem. No entanto, o mais interessante no ponto de partida desse filme é a constituição do grupo de narradores. Os filhos desses farofeiros são pegos na escola com redações absolutamente iguais sobre as férias. Obrigados pela diretora a contar o que realmente aconteceu no recesso, os pequenos vão colando retalhos e nos apresentando as tais férias frustradas. Então, o diretor Roberto Santucci tem narradores pouco confiáveis que, ainda por cima, são crianças dadas a aumentos e invenções. Pena que Santucci não elabore essa curiosa ideia dos contadores de causo que podem simplesmente estar mandando lorotas na direção da educadora que deseja os punir por plágio.

O fato de as crianças contarem Os Farofeiros 2 pouco importa, exatamente porque o roteiro assinado por Paulo Cursino não trabalha a dúvida como elemento dramático. Outro problema que pode ser creditado ao roteiro é o desequilíbrio entre os núcleos, com personagens aparecendo de modo muito desproporcional se comparados aos demais. Exemplo disso é Alexandre, em tese o protagonista cuja ambição motiva toda a confusão no fim de mundo vendido pela publicidade como resort paradisíaco. Ao longo da trama são raros os instantes em que a motivação (reverter a imagem negativa perante os subordinados) justifica qualquer coisa. O personagem é eclipsado por sua esposa, Renata (Danielle Winits), a típica dondoca de comportamento sempre histriónico, com caras e bocas exageradas ao ponto de ultrapassar o potencial cômico da caricatura e gerar certa irritação. Winits passa o filme inteiro gritando, reclamando, tendo atitudes pouco gregárias, ou seja, apagando completamente Alexandre. Mas, Paulo Cursino é dado a se antecipar às críticas e, lá pelas tantas, coloca na boca da própria Renata a consciência disso de modo metalinguístico. Ao serem indagadas sobre o que estão vendo no tablet, as crianças falam “Os Farofeiros 2” e Renata responde algo assim: “ah, não gosto de comédia brasileira, especialmente essa, em que mulheres não param de gritar e riem de pobres”.

Às vezes na iminência das críticas negativas, nos antecipamos fazendo uso da autodepreciação para amenizar um pouco a força do argumento do outro. Oras, se sabemos dos nossos pontos fracos, a perspicácia alheia perde um pouco de impacto, pois a falha é algo que já sabemos. Porém, não é exatamente isso o que acontece em Os Farofeiros 2. Ao mesmo tempo, o roteiro prevê uma inserção publicitária, um comentário metalinguístico e uma piadinha com supostos clichês da crítica de cinema sobre as comédias brasileiras. O que Paulo Cursino está fazendo com essa cena não é demonstrar espírito esportivo ou autodepreciação, mas supostamente mostrar que o argumento crítico frequentemente utilizado para apontar fraquezas em suas produções são da ordem da obviedade e por isso merecem virar chacota. Como em O Candidato Honesto 2 (2018), em que o roteirista coloca na boca do humorista Leandro Hassum diversos clichês ditos a respeito de ele ter perdido a graça junto com alguns quilos durante o emagrecimento. E para fazer isso, Cursino tira toda a graça do momento metalinguístico que poderia ter sido divertido e pertinente, uma vez que provêm exatamente das crianças contando a história à diretora. Pena que o filme desperdice essa e outras boas ideias (como o escorregador do parque aquático que passa das nuvens) pela pressa desmedida de arrematar logo as piadas e partir louco às próximas.

Maurício Manfrini e Cacau Protásio se destacam no bom elenco, especialmente porque seus personagens são bem aproveitados (na medida do possível). Ele vive Lima, sujeito menos complicado do que Alexandre. Já ela interpreta Jussara, mulher também quase sempre exaltada, mas menos enervante do que Renata. Charles Paraventi como Rocha, o recém-separado que precisa conviver com a ex-esposa na viagem da firma, rouba a cena inúmeras vezes, sobretudo porque consegue tirar leite de pedra com um personagem tantas vezes explorado no cinema – o homem em crise de meia idade que acaba caindo no ridículo ao contar vantagem sobre “voltar pra pista” enquanto tenta esconder que ainda é apaixonado pela ex. Cursino e Santucci acenam ao humor de mau gosto ao fazer chacota com a gêmea destoante dos padrões, utilizada para ser ridicularizada na comparação com a irmã sarada. Já a insistência de tratar como bobo paranoico o homem traumatizado pela COVID-19 é um tipo de negacionismo recreativo, pois Diguinho (Nilton Bicudo) é somente tratado como um tolo exagerado. Por fim, é no mínimo ruidosa a presença de Darcy (Sulivã Bispo), personagem feminina interpretada por um homem cis. A dúvida sobre os pronomes para se referir a ela sugerem grosseiramente que Darcy é mulher trans, o que torna problemática a cena do desconforto das mulheres com a sua entrada na sauna. Em suma, Os Farofeiros 2 vive de raros lampejos de inspiração do elenco experiente, mas sofre por ser excessivamente fragmentado e ainda tratar os assuntos com leviandade. Não com leveza.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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