Crítica
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Sinopse
Cinco adolescentes, oriundos de famílias estruturadas, acabam cometendo um crime brutal. E, ao serem capturados por um policial com métodos duros, realizam um motim e partem para uma ilha selvagem em busca de abrigo. Lá, as noções de prazer são dadas a partir de uma vegetação fantástica e, com o tempo, experimentarão sensações nunca antes vistas.
Crítica
Difícil sair incólume de uma sessão de Os Garotos Selvagens. O filme de estreia do diretor Bertrand Mandico é uma daquelas obras que deixam sua marca, capturando a atenção do espectador com um enredo pouco usual, um twistainda menos óbvio e uma direção de arte absolutamente memorável. Lembra, em alguns momentos, o gosto pelo inusitado do cineasta grego Yorgos Lanthimos, o responsável pelo inesquecível Dente Canino (2009), com um primeiro ato que certamente fará o público relembrar as terríveis ações dos protagonistas de Laranja Mecânica (1971), de Stanley Kubrick. Agora, coloque essas referências em um caldeirão, introduza as vigentes e importantes discussões de gênero (masculino e feminino, não cinematográfico) e embarque em 100 minutos de pura loucura.
O filme inicia com a ação já em movimento. Um dos garotos do título está sendo procurado em uma ilha. Seu nome é chamado por vozes femininas. Meio perdido, ele é subjugado por marinheiros que o despem – estranhamente, o menino tem um seio – e o atacam sexualmente. Nisso, a história retrocede. Conhecemos este e mais quatro garotos de famílias abastadas, que vivem como querem no início do século passado. Durante uma performance teatral, os selvagens meninos se mostram nada inocentes, amarrando sua professora a um cavalo e se masturbando em frente à mulher. Com toques ritualísticos, os garotos provocam a sua morte. Eles tentam mentir para se livrar da punição, mas não conseguem. Para que aprendam uma lição, é contratado o capitão de um barco nada ortodoxo, que os levará para uma ilha ainda menos corriqueira, na qual aprenderão uma ou duas coisas a respeito de abuso e de como se colocar no lugar do outro.
Dito assim, Os Garotos Selvagens parece mais um filme que coloca na violência sexual contra a mulher um de seus motes. De início, realmente é o que parece. Mas os caminhos que a história embarca são tão pouco usuais que logo entendemos os reais motivos. O que o longa-metragem faz é exatamente criticar não só nossa realidade, como a forma de conceber histórias do tipo. No processo, o roteiro transforma os agressores de figuras detestáveis em algo que, talvez, nunca imaginassem que se tornariam. Essa inversão de expectativas é a chave para entender o longa-metragem.
Como diversos bons filmes com um ponto de reviravolta, o melhor é saber o menos possível a respeito da trama. No entanto, é impossível fazer uma análise mais aprofundada de Os Garotos Selvagens sem entrar em alguns pontos mais reveladores. Se você não o assistiu, recomendamos que pule direto para o próximo parágrafo. Vamos entrar na seara dos spoilers. Na sinopse, foi deixado de lado o nome dos intérpretes dos meninos de forma intencional. Uma das surpresas do filme é que os garotos selvagens do título se transformam em garotas na ilha, após usufruírem das frutas cabeludas e dos jorros de leite de uma estranha árvore que lá se encontram – entre outras coisas.
De início, é notável as características andróginas dos protagonistas e, ao final, sabemos que se tratam de cinco atrizes talentosíssimas que interpretam os garotos: Pauline Lorillard, Vimala Pons, Diane Rouxel, Anaël Snoek e Mathilde Warnier. Para viver os personagens, vestem roupas que escondem um tanto seus corpos, mas isso está longe de ser o único motivo para o efeito dar certo. Elas embarcam na jornada com ímpeto, transformando suas feições e mantendo uma postura corporal que consegue – se não enganar totalmente – deixar o espectador com uma pulga atrás da orelha. Pons é quem mais impressiona, vivendo o rapaz mais terrível de todos – e que tem o troco em uma das cenas em que tenta abusar de um dos seus amigos. A forma como ela se transforma em poucos segundos, mudando suas expressões do rosto, é simplesmente fantástica.
Fantástico é uma boa palavra para descrever o filme. Além de pertencer ao gênero, a direção de arte que concebe a ilha é muito criativa. Embora alguns simbolismos sejam óbvios, é interessante enxergar como tudo ali é, ao mesmo tempo, estranho e erótico. Uma clara referência aos hormônios à flor da pele dos jovens em questão, que os deixam em parafuso, perdidos. A fotografia em preto e branco dá um clima onírico ao longa e as projeções utilizadas no background de algumas cenas dão um efeito ainda mais surreal. Não fosse o exagero das respostas ao final, com os personagens soletrando tudo o que aconteceu na ilha e com eles mesmos, o resultado seria bem melhor. Uma curiosa produção, exibida no Brasil durante o Fantaspoa: Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, tendo passado antes no Festival de Veneza e premiado em outros eventos do gênero no mundo.
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