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Sinopse

A bordo de um Opala 73, os irmãos Bel e Mau viajam pelas estradas do Espírito Santo em busca do carro, um Maverick 77, que pertenceu ao pai, o velho Elói, que os abandonou na infância, deixando para trás apenas ressentimentos. A jornada os leva até a distante e esquecida vila de Cotaxé, palco de históricos conflitos de terra, fronteira e poder e onde o destino dos irmãos e da região entrarão em rota de colisão.

Crítica

Raro exemplar do cinema capixaba, Os Incontestáveis marca a estreia em longas do diretor Alexandre Serafini, apostando numa estrutura de road movie carregada de humor e envolvida pelo universo musical. Este último aspecto pode ser notado não só na trilha sonora regada a rock, como também na escalação de dois músicos da cena underground do Espírito Santo para interpretarem os personagens principais, os irmãos Belmont e Maurício, que partem numa viagem em busca de um antigo Ford Maverick que pertenceu ao pai deles, há anos desaparecido. Belmont, dono de uma oficina mecânica, é vivido por Fábio Mozine – produtor e baixista da banda de hardcore Mukeka di Rato – enquanto Will Just – guitarrista do Muddy Brothers, grupo com pegada stoner/psicodélica anos 70 – interpreta Maurício, que faz bicos tocando violão em bares.

As características dos estilos musicais dos protagonistas – o cunho subversivo e de crítica social do punk, os ideais contestatórios da geração setentista – permeiam a narrativa criada por Serafini, tanto através de elementos concretos como o Opala 1973 que transporta a dupla em sua jornada, quanto das influências cinematográficas calcadas em títulos icônicos da contracultura, que têm na estrada o símbolo libertário definitivo, como Corrida Contra o Destino (1971), de Richard C. Sarafian, e Corrida Sem Fim (1971), de Monte Hellman. Serafini molda essas referências tipicamente norte-americanas às particularidades culturais brasileiras, conforme os irmãos desbravam o interior do Espírito Santo até Minas Gerais encontrando diversas figuras pelo caminho que permitem a inserção de piadas de temática regional, de gosto e qualidade inconstantes, e também alguns questionamentos sociopolíticos.

A dona transgênero do bordel, Doca (Markus Konká), a garota de programa (Kelly Crifer) ou o mecânico evangélico são personagens que representam o povo oprimido pelas figuras de poder: o prefeito que quer se candidatar a deputado federal e, especialmente, os grandes proprietários de terra, como o antagonista principal, não por acaso chamado Lobo (Tonico Pereira, sempre uma presença confiável), atual dono do lendário Maverick. No bloco inicial, Serafini faz o espectador embarcar na aventura repentinamente, sem muitas informações – como os motivos da obsessão dos irmãos por resgatar essa parte de seu passado ou do desprezo em relação ao pai. Há também certa estagnação causada pela repetição de situações – ir até um possível paradeiro do carro, descobrir que foi repassado, ir ao próximo local – e mesmo das belas imagens do trajeto, registrando o imponente Opala amarelo de todos os ângulos, até que o ritmo narrativo seja encontrado.

As limitações dramáticas dos músicos/atores também demandam certo tempo para que o espectador se acostume com suas atuações, especialmente com o estilo de humor de Mozine e seu Belmont - irônico, desbocado e grosseiro. Gradativamente, porém, a dinâmica da dupla evolui, ganhando naturalidade, como na cena do almoço no bar, quando Bel identifica quase todos os clientes como sendo representantes comerciais. Essa interação segue durante a parcela intermediária da trama, a estadia no bordel de Doca, onde a convivência com as prostitutas evoca um tratamento despudorado da sexualidade, fazendo com que a abordagem majoritariamente masculina do longa fique mais evidente. Mas é no ato final que Serafini imprime a grande reviravolta estilística e narrativa de seu trabalho, conduzindo-o abruptamente ao território do fantástico.

A partir do surgimento dos personagens do velho que diz estar morto e dos dois estudantes de história, o cineasta revisita, sob ares místicos, um capítulo quase esquecido do passado brasileiro, a criação do Estado União de Jeová na década de 50, quando, liderado pelo rebelde religioso Udelino Alves de Matos, um grupo de lavradores da região do povoado de Cotaxé, próximo às fronteiras de Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo, entrou em conflito com posseiros, latifundiários e polícia na tentativa de fundar um território independente. O episódio, que teve seu fim em um sangrento confronto, resultando no desaparecimento de Udelino, guia toda a parte derradeira, em que, após uma experiência quase xamânica, Maurício e os estudantes encarnam o espírito dos revolucionários e, de armas em punho, vão de encontro a Lobo, reavivando a luta contra os poderosos fazendeiros.

De forma alegórica, incluindo até uma espécie de menestrel – o poeta violeiro que se junta ao grupo de novos rebeldes narrando seus feitos – Serafini lança seu olhar sobre um Brasil barroco distante de muitos, no qual o coronelismo ainda impera. Esse universo surreal que se estabelece – com exército de prostitutas, procissão de povo fantasma - remete à aura anárquica de produções como as do Cinema Marginal, no que parece uma tentativa de resgate da liberdade criativa e do desprendimento formal do movimento. Essa anarquia, porém, muitas vezes soa demasiadamente calculada, sem a devida espontaneidade. De qualquer modo, ainda que certas escolhas possam parecer aleatórias, o longa não deixa de ter bons momentos, especialmente quando se propõe a tratar do conflito de heranças: a herança material (o Maverick) e a herança histórica (o passado de violência). O cineasta leva essa proposta até um embate fraterno, tanto simbólico quanto literal, que culmina num verdadeiro duelo motorizado de faroeste, emoldurado pelo registro esteticamente estilizado das paisagens empoeiradas do interior capixaba. Infelizmente, outras passagens com essa força são minoria no resto da projeção.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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