Crítica


7

Leitores


1 voto 8

Onde Assistir

Sinopse

1992. Os Jovens Baumann, últimos herdeiros de uma prestigiosa família de Santa Rita d’Oeste, sul de Minas Gerais, desapareceram sem deixar vestígios. 2017. Uma caixa com fitas VHS é encontrada, contendo registros caseiros de seus últimos momentos, durante suas férias na fazenda da família. Através da compilação desses arquivos familiares, o filme reorganiza os fragmentos de um mistério até hoje sem solução.

Crítica

Que fim levaram os jovens Baumann? Ninguém sabe, ninguém viu. Oito adolescentes – ou recém adultos, melhor dizendo – que costumavam passar as férias na fazenda da família, no interior de Minas Gerais, em meados de 1992 simplesmente desapareceram da noite para o dia, deixando para trás não mais do que vestígios – e a certeza de que algum dia ali estiveram. Construído sob as diretrizes básicas do thriller investigativo, Os Jovens Baumann aponta também para o surgimento de um novo caminho para o cinema brasileiro, tão necessitado de um fôlego que o liberte das amarras estruturais até então vigentes. É um filme feito de forma quase amadora, mas muito se engana quem por esse caminho decidir trilhar: há uma concepção absolutamente profissional na sua gênese, que de forma alguma consegue esconder a habilidade da realizadora em tecer um jogo de aparências voltado para o passado, mas que fala diretamente com o hoje.

Seguindo o estilo found footage – ou seja, câmera tremida do início ao fim – a diretora e roteirista Bruna Carvalho Almeida revela suas intenções desde o começo: o espectador até pode ser levado a crer que está diante de algo simplório, quase caseiro. Mas o desenrolar dos acontecimentos expostos em cena indica algo mais profundo. É quase como um quebra-cabeça que vai sendo montado pelas beiradas, e somente depois, quando quase tudo estiver conectado, é que o conjunto passará a adquirir algum sentido. Os Baumann estão em cena através das imagens que eles próprios fizeram. Ou seja, são escolhas deles que, no entanto, foram reunidas à revelia dos mesmos. São autores, mas também – e acima de tudo – personagens.

Uma narradora onisciente se faz presente. Filha de um vizinho dos protagonistas, ela não chegou a conhecer de perto aqueles que são objeto do seu interesse. Os via de longe, quando criança. Sabe pouco sobre eles, apenas aquilo que todos falavam. Família rica, era numerosa e influente. Haviam sido donos de um império, mas deste, naquela época, restava apenas uma sombra. Os que tinham construído tudo aquilo, ou não mais existiam, ou há muito desistiram de lutar pelo que sobrara. Restavam os espólios da guerra. Os filhos, sobrinhos e afilhados. Gente que agora mandava, mesmo sem nunca ter demonstrado qualquer esforço para garantir tal posição. Representantes de um Brasil que não mais existe, eram frutos de uma extinção calculada. Estavam desaparecendo mesmo antes de, de fato, sumirem. Só ignoravam essa tão próxima realidade – ou se iludiam a respeito, de forma consciente e deliberada.

Quando perceberam, não havia mais ninguém por lá. A casa – e tudo que a cercava – acabou sendo vendida, e os novos proprietários, ao lá chegarem, se depararam com uma Pompéia abandonada, como se as chamas há muito tivessem se apagado e, ao invés de lava e cinzas, tudo o que ficara para trás permanecera intocável. A mesma cadeira, a cama desfeita, a comida apodrecida. Com o sumiço dos jovens, os velhos também se foram. O que se sucedeu com cada um deles parece, na superfície, um mero mistério. Qualquer olhar mais detalhado, no entanto, irá apontar para um descaso que vinha se acumulando há anos. Muito por parte dos demais, mas ainda mais vindo deles mesmos. A imobilidade, a falta de oxigênio, a desidratação acabou com eles. Não se renovaram, e, por isso, se tornaram obsoletos. Esquecidos pelo tempo e por todos os que, um dia, chegaram a neles se apoiar.

A partir de uma montagem bastante precisa – que, no filme, assume contornos de retrato remanescente – Os Jovens Baumann é um intrigante painel sobre a sociedade brasileira nessas primeiras décadas nos anos 2000. Dono de uma produção de recursos limitados, contorna estas dificuldades com criatividade e inteligência. O elenco, composto por oito jovens – sempre sete em cena, e um no comando da câmera – é diverso o suficiente para criar empatia com o espectador, assim como a naturalidade que assumem ao se portar entre si cativa sem resvalar no exagero. São eles, mas poderiam ser quaisquer brasileiro, do norte ou sul, leste ou oeste. Privilegiados ou não, representam uma identidade perdida, que se foi e parece não encontrar mais rumo – ou espaço – que possa garantir seu retorno. Um respiro de originalidade, ainda que suas ferramentas e elementos dispostos sejam os mais óbvios e tradicionais possíveis.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *