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Crítica


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Sinopse

Dividindo-se entre a aldeia onde mora, no sul da França, e o parque temático onde trabalha, Nina esbanja espírito aventureiro. Pouco tempo antes de conhecer Morad, um adolescente peculiar, ela vê um estranho meteorito no céu que parece ser um presságio místico de algo grandioso que provavelmente está para acontecer.

Crítica

A jovem Nina (Zéa Duprez) trabalha num parque temático repleto de dinossauros postiços no Sul da França. É um daqueles empregos nos quais se fica temporariamente para juntar dinheiro e bagagem. A queda literal de um meteorito cria, de pronto, uma ponte com a extinção dos antigos habitantes da Terra. Todavia, a essa menina que permanece num estado de inquietação durante todo o longa-metragem de Romain Laguna, o fenômeno representa novas possibilidades, como se um evento aparentemente aleatório, mas essencial, do ponto de vista metafórico, para que ela consiga fechar um ciclo antes de partir à vida adulta. Os Meteoritos, no entanto, não fica aferrado à órbita desse acontecimento, ou mesmo à relação figurativa por ele estabelecida com a jornada da protagonista. É um filme de estrutura elíptica, debruçado sobre o acúmulo de conjunturas que nos fornecem pequenas portas ao mundo singular dessa garota que possui anseios comuns.

Mimetizando a experiência adolescente, em que a intensidade tende a ser inversamente proporcional à durabilidade, Os Meteoritos costura várias circunstâncias capitais ao entendimento da personalidade de Nina, de como ela enxerga o entorno dado a lhe impor regras. O realizador foge ao lugar comum do conflito familiar, para isso apresentando uma mãe amorosa, que não castra os desejos da menina florescendo plenamente como mulher. Não há tensões sobrevindo à demissão, tampouco uma vontade taxativa de ressaltar possíveis problemáticas domésticas, sejam elas de quais naturezas forem. Romain costura com sutileza essas relações, tanto as simbólicas quanto as efetivas, não deixando espaço a julgamentos morais ou simplificações contraproducentes. O envolvimento de Nina com Morad (Billal Agab) trisca na controversa questão imigratória. Mas, bandeiras não são hasteadas, apenas há a naturalidade do vínculo surgido do querer.

Essas historietas, nas quais vemos Nina interagindo com amigos, amores e a mencionada mãe, são demarcadas por sua rebelde forma de encarar eventuais problemas, numa luta instintiva a fim de sobreviver ao meio naturalmente hostil. As questões desprendidas, por exemplo, da relação com um amigo querido, cuja problemática reside na vontade de desvencilhar-se do jugo paterno, nem que para isso seja preciso alistar-se no exército, se comunicam de forma sensível com a vivência do argelino Morad. Os Meteoritos, sem alardear intenções, às vezes incorrendo em procedimentos ostensivos, mas, geralmente, operando desde uma lógica elegante, entrelaça esses fragmentos de juventude por pontos de convergência insuspeitos. O que para muitos poderia soar reprovável, como afanar um celular ou apropriar-se de uma peça da vestimenta inadvertidamente, a Nina soa como tentativa inconsciente de afirmar-se por meio de gestos transgressores.

Os Meteoritos tampouco desenha essa vivência juvenil no interior com base em estereótipos camponeses. A variedade de cenários – num instante a trama se desenvolve numa vinha, no subsequente ambienta-se numa espécie de periferia empobrecida – dirime as preconcepções sobre o espaço frequentemente rechaçado pela mocidade que anseia morar na capital e ter um cotidiano cosmopolita, supostamente mais excitante. Romain Laguna evita determinar as coisas demasiadamente, deixando espaços generosos à leitura do espectador, construindo um filme poroso. A personalidade complexa de Nina é delineada pelo trabalho excepcional da Zéa Duprez, um esforço louvável para fazer da personagem uma mescla verossímil de impetuosidade e receio natural. Não à toa ela se apieda do animal na tourada, pois se identifica com sua luta para sobreviver, projetando-se melancolicamente na força da natureza sucumbindo a despeito de sua aparência indestrutível.

 

Filme visto na 10ª edição do MyFrenchFilmFestival, em janeiro de 2020.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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