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Sinopse

O policial Stéphane acaba de se mudar para Montfermeil e se juntar ao esquadrão anticrime. Colocado no mesmo time de Chris e Gwada, cujos métodos são pouco convencionais, ele logo se vê envolvido na tensão entre as diferentes gangues do local.

Crítica

O policial Stéphane (Damien Bonnard) é transferido à comuna de Montfermeil, coincidentemente onde Victor Hugo escreveu o clássico da literatura Os Miseráveis no século 19. E há uma enorme conveniência nessa posição de novato, pois ele precisa ser aclimatado, apresentado ao entorno. O cineasta Ladj Ly aproveita a necessidade de dispor as configurações dali e pontuar a importância das figuras locais para incorrer numa batida lógica expositiva. É, portanto, por meio desse reconhecimento que vemos os mandas-chuvas, aqueles que retribuem a vista grossa da polícia com compensação financeira, além da dura infância inapelavelmente atravessada por uma exclusão de fundo socioeconômico, étnico e religioso. Os colegas do calouro, que supostamente deveriam garantir o cumprimento da lei, têm comportamentos bastante agressivos, muitas vezes gratuitamente, como quando Chris (Alexis Manenti) verbaliza sua excitação prévia pela possibilidade de apalpar jovens que fumam maconha na parada de ônibus. Ele não se preocupa com a ordem, mas com o poder.

Os Miseráveis apresenta uma França integrada estritamente na final da Copa do Mundo de futebol, situação na qual não é possível discriminar diante do emaranhado de torcedores. Ali a comunhão é momentaneamente atingida. Todavia, o cotidiano apresentado na sequência pelo cineasta é condicionado por disputas de território, encaixes ilícitos e uma distorção da legalidade aquiescida pelos agentes. O sistema é, então, corrompido profundamente, inclusive porque honradez e retidão são escassas na conduta dos à paisana que utilizam frequentemente a força bruta por não temerem qualquer punição. Eles são a regra. Porém, falta o filme se posicionar claramente quanto a esses policiais. A despeito do desenho deles vagando pelas ruas, interferindo negativamente nas dinâmicas ordinárias dos moradores, é ensaiada a geração de empatia por esses homens nas cenas do retorno às suas respectivas residências. Mas não há uma investigação para extrair causas, consequências e motivações. Stéphane, Chris e Gwada (Djibril Zonga) flertam com arquétipos.

A infância negligenciada é um dos temas centrais de Os Miseráveis, o que estabelece uma ponte direta com o seu homônimo literário. Buzz (Al-Hassan Ly) desempenha o papel de testemunha privilegiada, principalmente pela posse de um drone. Aliás, é por conta dos registros da traquitana tecnológica – que rende belíssimos planos de contexto, não apenas visual, mas existencial – que ele entra na mira de boa parte dos personagens adultos, dos agentes aos bandidos. É tão e somente porque há, de fato, o flagrante de uma brutalidade policial que as placas tectônicas daquele lugar começam a se mover. Mas Ladj Ly não investe numa construção suficientemente pujante desses vínculos determinantes. Precisamos nos contentar com rápidos vislumbres da atividade de Salah (Almamy Kanouté) e do Príncipe (Nizar Ben Fatma), forças paralelas apresentadas com escassez de recursos e dados. A consciência social evidente não implica a análise dos tantos fatores citados.

Depois de ensaiar um clímax melancólico, no qual todos os personagens principais acabariam intimamente abatidos pelas circunstâncias de um dia fatídico e sintomático, Ladj Ly dá a guinada em direção a uma insurreição praticamente incontrolável. O imberbe Issa (Issa Perica), dono de um complicado histórico recente de traquinagens, sofre uma punição desproporcional, ilegal e cruel, por ter furtado um leão – e a excentricidade do delito serve apenas para incluir os ciganos no caldo multicultural, nada mais. Seu infortúnio, a partir daí, demarca a perversidade adulta e a vulnerabilidade dos moleques que aprendem desde cedo a lei do mais forte. Os Miseráveis mostra uma nova França, repleta de sotaques e fés, convulsionada por problemas antigos, tais como o racismo, mas agravada por temas recentes, como a crise migratória e a xenofobia. A despeito da intensidade da incendiária sequência final, da potência simbólica desse revide nutrido pela revolta dos oprimidos (o que de melhor o filme tem), o restante permanece no campo observacional, sem tantas preocupações com cenários e particularidades. Poderia se passar em qualquer periferia, inclusive no Brasil.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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