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Sinopse

Um fenômeno global acaba fazendo com que os mortos de Centerville se ergam de seus túmulos. Basicamente, os moradores têm de lutar para sobreviver.

Crítica

Óbvio que um filme de zumbi escrito e dirigido por Jim Jarmusch não poderia ser algo comum. Um dos cineastas mais criativos da seara independente norte-americana, ele faz de Os Mortos Não Morrem um pastiche-metalinguístico-satírico que poderia funcionar como uma boa revigorada desse subgênero redivivo comercialmente após o sucesso da série de televisão The Walking Dead (2010-). Todavia, pena que o resultado fique restrito a uma longa apresentação de personagens e à posterior aniquilação quase desinteressada dos monstros, tendo com arremate o discurso de alguém voluntariamente apartado do mundo que gira totalmente em torno do consumo. Numa pequena cidade, um estranho fenômeno que alterou o eixo da Terra causa a ressurreição dos mortos. Mais do que a análise desse cenário prestes a sucumbir ao caos, o realizador passeia vagarosamente pela delineação das figuras que o compõe, ora deleitando-se com o desenho de suas singularidades, ora tentando fazer destes sintomas dos Estados Unidos. Mas, a sensação de inércia sobressai.

Honrando apenas parcialmente a tradição do filme de zumbi, Os Mortos Não Morrem dispõe algumas peças como observações do tecido político estadunidense. A principal delas é o fazendeiro Frank Miller (Steve Buscemi), típico racista que ostenta na cabeça os dizeres alusivos à ideologia supremacista defendida por Donald Trump e companhia. O xerife Cliff Robertson (Bill Murray), do alto de sua apatia cotidiana, chega a deixa-lo à mercê da ameaça exatamente ao partir da lógica “você colhe o que planta”. Também há os negacionistas que desacreditam a ciência na imprensa, tachando-a de "alarmista". Claros comentários de Jarmusch a respeito de uma extrema-direita que caminha pela sociedade zumbificada e sem emoção – semelhanças com o atual cenário brasileiro em que eleitores do presidente marcham irresponsavelmente em tempos de pandemia não são meras coincidências. Praticamente todos os personagens do filme são batizados com nomes de celebridades, a começar pelos dois citados. O primeiro é homônimo do quadrinista famoso; o segundo tem o nome de um ator. Já Ronnie Peterson (Adam Driver) é a alcunha de um famoso automobilista.

Algumas dessas piscadelas são mais curiosas, como o sobrenome Perkins, dado ao proprietário do hotel, menção a Anthony Perkins, ator que viveu o herdeiro do Bates Motel em Psicose (1960). No fim das contas, se trata de Jarmusch fazendo uma brincadeira que nem sempre funciona a contento. A pontuação da trama com a música-tema, por exemplo, é uma rubrica apontando exatamente à natureza paródica do longa-metragem, à sua intenção de jogar com determinados códigos. Alguns destes são mais bem encaixados dentro do ideário do autor caracterizado pela predileção por pessoas peculiares ou que, ao menos, reagem de maneiras insólitas diante de fenômenos diversos. Porém, uma vez que se estabelece o esqueleto – feito de citações (diretas e indiretas), caricaturas do cânone do subgênero e gente específica – o conjunto logo se esgota, vivendo de repetições e esparsos momentos de inspiração. Zelda (Tilda Swinton), a bizarra funcionária da funerária, perguntando se a policial Mindy Morrison (Chloë Sevigny) tinha um caso com o colega é bastante descartável.

Em Os Mortos Não Morrem, Jim Jarmusch brinca com regras, não indo tão além disso. Para os fãs de ficção científica, vai ser fichinha identificar a piada com o estrangeiro-extraterrestre, dinâmica utilizada metaforicamente nos exemplares norte-americanos do gênero nos anos 1950. Os forasteiros (aqui chamados de “hipsters”) que aparecem para sublinhar o provincianismo vigente é outro lugar-comum disposto com consciência pelo cineasta. Mas, saber com que materiais se está lidando não é suficiente para fazer, de uma salada de referências, uma apetitosa refeição. Já a metalinguagem surge em duas partes distintas. Inicialmente, como aviso, já que Ronnie Peterson tem consciência de que a música-tema toca em diversos instantes justamente por ser a música-tema. Depois, mais escrachadamente, quando esse mesmo personagem diz ter lido o roteiro na íntegra, revelação seguida da indignada citação direta de seu interlocutor ao próprio cineasta. Outra demonstração, pura e simples, de uma noção das ferramentas. Curioso, mas basicamente isso.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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