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Crítica


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Sinopse

Em Os Novatos, a maior festa do ano vai acontecer bem na primeira semana do ensino médio. Quatro adolescentes terão de aguentar uma noite de caos e excessos.

Crítica

Uma das formas mais simples de perceber a amplitude da dominação cultural do cinema norte-americano a nível global é pensar na disseminação do imaginário sobre o high school. Crescemos assistindo a filmes adolescentes aparentemente compromissados com a oferta de um entretenimento ligeiro, mas que em conjunto formam um panorama referencial sobre rotinas escolares que, certamente, difere muito da nossa realidade. Desse modo, não é surpreendente experimentar algum nível de frustração quando chegamos ao ensino médio e não nos deparamos com tudo que as produções norte-americanas nos prometeram para essa fase: festas homéricas, castas bem definidas disputando espaço e popularidade, alunos chegando de carro para as aulas, lindos bailes de formatura etc. Mais novo sucesso imediato lançado pela Netflix, Os Novatos é herdeiro dessa tradição de longas-metragens ambientados no secundário escolar, aqueles anos fundamentais em que os personagens estão deixando a infância para trás e são mergulhados nas águas turbulentas da adolescência. Aqui o protagonista é Benj (Mason Thames). Irmão de uma veterana, ele está curtindo a ideia (um tanto assustadora) de ingressar na maturidade. Seus melhores amigos sentem algo parecido. Connor (Raphael Alejandro) sofre por ser baixinho; Eddie (Ramon Reed) é o amigo gente boa, mas farto do namorado de sua mãe; e o riquinho/inseguro Danah (Bardia Seiri) existe à sombra do seu irmão com pinta de bad boy.

Não fazendo muito mais do que seguir uma fórmula de maneira competente, Os Novatos mostra a soma das expectativas e ações dos quatro meninos como estratégia para abordar diversos assuntos, sendo o principal deles a ansiedade para se encaixar num cenário escolar hostil. Benj é apaixonado pela melhor amiga da irmã, mas tem dificuldade para expressar seus sentimentos por medo da rejeição; Danah acha que tem de copiar o irmão, ou seja, anular a sua personalidade para repetir um molde de popularidade que deu certo; Eddie e Connor são menos relevantes para o painel que o longa-metragem está desenhando, servindo basicamente à mensagem positiva do encerramento, a de que as boas ações podem ser recompensadas. Durante uma festa maluca com jeitão de rito de iniciação, da qual os dois são completamente excluídos, esses personagens acabam se deparando com a garota mais admirada da escola, aquela que tem os vídeos engajados nas redes sociais. E eles agem de modo correto, mesmo ao serem colocados numa roubada constrangedora. Aliás, toda a situação envolvendo a rainha da escola coberta de excrementos, numa posição de vulnerabilidade, é o pretexto para o filme tocar na importância da responsabilidade diante de alguém incapaz de responder sobre seus atos. Ao longo do filme há vários outros exemplos de uma consciência adolescente sobre os caminhos corretos a seguir.

Os personagens principais de Os Novatos são arquetípicos, ou seja, derivações de figuras vistas exaustivamente antes nos filmes norte-americanos de high school. Há o garoto que tenta esconder sua sensibilidade por achar que crescer é demonstrar força, o outro copiando modelos errados para chegar a lugares supostamente ideais, garotas tentando desesperadamente se adequar a padrões para sobressair e adultos quase decorativos, basicamente aparecendo como figuras de autoridade dando broncas depois de algo complicado acontecer. Isso com exceção ao professor interpretado por Bobby Cannavale, sujeito levado por uma decepção amorosa a se comportar como um jovem inebriado pela atenção que alivia a sua solidão. É interessante esse sujeito, que deveria simbolizar a responsabilidade em pessoa, ir na onda dos alunos porque, emocionalmente, não é tão mais maduro do que eles quando em sofrimento. Voltando à festa de arromba onde praticamente tudo acontece, ela não é tão diferente das vistas de outros filmes do mesmo filão: tem gente “metendo o louco”, adolescentes com hormônios efervescendo, drogas e música alta, novatos tentando agradar para serem aceitos entre os mais descolados, personagens fazendo bobagens que os perseguirão nos próximos anos escolares. Tudo como manda o figurino dos enredos high school, às vezes com pontuais acréscimos de diversidade.

Os Novatos é divertido e se encaixa bem na tendência de enxergar cinematograficamente o ensino médio como uma fronteira definitiva entre a inocência da infância e a malícia que precisa ser adquirida rumo à vida adulta. Curiosamente, há muito menos sexo nele do que em produções dos anos 1980/90 e 2000. Se em filmes como Gatinhas e Gatões (1984) e American Pie: A Primeira Vez é Inesquecível (1999), para ficar apenas em dois exemplos de décadas diferentes, havia uma obsessão pela perda da virgindade, aqui aos anseios dos personagens principais não são necessariamente eróticos. Dessa forma, os cineastas Dave e John Chernin não elegem a experiência sexual como o santo graal a ser alcançado em busca do reconhecimento como adulto. Sintoma dos nossos tempos em que o sexo foi perdendo esse estatuto no imaginário juvenil, da fuga consciente de um lugar-comum desse tipo de produção ou do moralismo generalizado que enfraquece um item como a sexualidade até mesmo de um filme adolescente? As cenas de gente “se pegando” são rápidas e não tem qualquer importância para o filme. No fim das contas, o viés puritano que rebaixa o sexo no nível de prioridades adolescentes acaba adicionando uma pureza idealizada à trama. E isso nem é necessariamente ruim, mas talvez indique mudanças de perspectiva geracional ou mesmo de abordagem comercial. Ora acenando à tradição, ora a adequando à atualidade, os diretores fazem um filme genérico, mas bacaninha.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
6
Leonardo Ribeiro
6
MÉDIA
3

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