Crítica
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Sinopse
Tammy Faye e seu marido Jim Bakker são televangelistas de muito sucesso nos Estados Unidos entre os anos 1970 e 1980. Ambos vieram de realidades humildes antes de criar a maior rede de radiodifusão religiosa do mundo.
Crítica
O fato de Jessica Chastain ter ganhado o Oscar 2022 de Melhor Atriz por Os Olhos de Tammy Faye coloca um holofote diferente sobre esse trabalho da intérprete norte-americana. O que terá chamado a atenção dos votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas? A composição, realmente digna de uma das mais cobiçadas estatuetas de Hollywood? A simpatia dos votantes pela artista antes indicada duas vezes ao principal reconhecimento da indústria cinematográfica dos Estados Unidos? A predileção da premiação por personagens baseados em figuras reais? A falta de competidoras à altura? Conjecturas à parte, fato é que Jessica tem um terreno vasto para reelaborar uma mulher controversa. Da jovem quase infantil que desafia a ordem doméstica, passando pela esposa devotada com rompantes de individualismo e a estrela midiática que se torna sinônimo de renovação carismática no cristianismo, chegando ao ícone derrotado que vive do passado enquanto chafurda no fundo do poço. São vários momentos, altos e baixos que oferecem à atriz um repertório invejável de situações. No entanto, especialmente por estar alinhado a uma ideia bastante tradicional (e conservadora) de cinebiografia, o longa-metragem nunca oferece, de fato, à sua estrela um espaço para trabalhar nuances e sutilezas. Que bonito seria se por debaixo do espalhafato e da caricatura de Tammy Faye houvesse um terreno pronto para ser cultivado justamente com o que está longe da superfície das aparências.
No fim das contas, Os Olhos de Tammy Faye não é um filme sobre essa mulher, mas acerca de um conto de fadas que teve inúmeros ingredientes. E, se no primeiro parágrafo deste texto houve menção a uma ideia mais conservadora de cinebiografia, em grande parte isso se deve à falta de recortes específicos e à tentativa de criar um retrato amplo. O roteiro assinado por Abe Sylvia não elege um pequeno conjunto de elementos ao encarar um dos casais mais poderosos da televisão norte-americana nos anos 1970/80. Seguindo as convenções da cartilha da biopic, tudo começa na infância de Tammy com o desenho da família organizada em torno de uma mãe levada a sentir vergonha por ter se divorciado. Crescer diante da intolerância de uma sociedade obscurantista e provinciana foi determinante para a protagonista se posicionar favorável à comunidade LGBTQIA+ quando seus pares religiosos iam exatamente na direção contrária? É difícil responder essa pergunta, pois o cineasta Michael Showalter não parece muito preocupado com entrelinhas, detalhes e sutilezas. E esse desinteresse compromete a investigação acerca da personalidade complexa de Tammy, alguém condenada cinematograficamente a um percurso comum: nascida pobre, ambiciosa e repleta de talento, ela alcança o topo do seu mundo, é encantada pelos luxos mundanos e paga um preço altíssimo.
Ainda dentro da ideia de uma cinebiografia tradicional (e comportada), Tammy é lida como a pecadora que desce ao inferno porque ousa ganhar dinheiro e se tornar uma referência utilizando (em vão?) o nome de Deus. Quando a mãe diz a ela na infância “pare de representar” e logo depois observamos a menina conseguindo notoriedade ao supostamente ter um transe no altar da igreja, é acesa uma importante luz de alerta. Será que estamos diante de alguém que fundamentalmente precisa estar nos holofotes e é talentosa para parecer algo que não é? A julgar pelo que Os Olhos de Tammy Faye apresenta, nunca saberemos. O filme não desenvolve essas questões, então elas viram apenas possibilidades frustradas pelos encaminhamentos ligeiros. Em determinado ponto da história, é difícil precisar se estamos assistindo a uma história sobre Tammy, se o principal é o casamento entre ela e Jim (Andrew Garfield) ou se o núcleo do enredo é a denúncia do funcionamento escuso dos impérios televangelistas. O longa tenta um pouco de tudo, com isso reforçando a leitura antes exposta de recorte amplo e dispersivo. Cada um desses aspectos poderia render uma trama bastante específica, com pontos relevantes e desdobramentos característicos. Porém, os idealizadores preferiram fazer um filme do tipo “cobrindo quase a vida inteira dos personagens” e disso resulta a sensação de que muita coisa é dita e sugerida, mas nada é efetivamente esmiuçado ou tratado com a devida relevância.
Assim sendo, Os Olhos de Tammy Faye sobrevive de pequenos momentos interessantes. Um deles é Tammy sentando à mesa dos homens que discutem o futuro do televangelismo. E o tema do machismo ressurge na confissão de adultério que gera a onda de doações. Pena que isso tudo sirva timidamente para sublinhar o que está atrelado à lógica patriarcal das religiões. Outro instante que poderia render frutos é a entrevista acolhedora de Tammy com um homossexual soropositivo diante dos olhares coléricos dos colegas que pregam homofobia. Novamente, como não temos uma investigação propriamente humana, a cena fica entre a empatia pelo próximo, a necessidade de abrir o leque de clientes e o gesto para atingir o marido que não assume sua orientação sexual. Nesse emaranhado de vieses e superficialidade, Jessica Chastain realmente sobressai, ainda que seja sabotada pela falta de textura de Tammy. Já Andrew Garfield está bem no papel do marido que luta para não ser eclipsado pela esposa. Como Hollywood ama histórias de superação, ascensões e quedas de equivalente intensidade, não é absurdo pensar que Jessica venceu o Oscar por conta de uma tendência, já que Will Smith levou neste mesmo ano a estatueta de Melhor Ator por um personagem que, na essência, não é diferente da Tammy destacada como exemplo de algo. Por fim, outro ponto que salta aos olhos é a maquiagem que oscila entre útil e artificial/ruim. Numa cena, as bochechas do casal principal estão murchas, logo adiante elas estão inchadas, noutras à frente, murchas de novo. O que sinaliza um descuido de continuidade.
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