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Crítica


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Sinopse

Na Veneza de 1885, Morton Vint é um ambicioso jovem editor fascinado pelo poeta Jeffrey Aspern. Sem ter certeza do que vai encontrar, decide ir atrás das cartas que Aspern escreveu para sua musa e amante Juliana Bordereau.

Crítica

Morton Vint (Jonathan Rhys Meyers), protagonista de Os Papéis de Aspern, é o típico obcecado pela obra de outrem, disposto a qualquer ardil para colocar as mãos nos escritos ainda não publicados de um renomado poeta falecido. Editor do autor, ele sabe da existência de cartas e versos inéditos mantidos por Juliana (Vanessa Redgrave), antiga amante do artista. Revelar o conteúdo desse tesouro significa expor intimidades, fomentar o interesse na vida privada do criador, atrelando valor às histórias de alcova, presumindo-as essenciais ao entendimento de uma obra artística. Há muito em jogo no longa dirigido por Julien Landais, especialmente quando se percebe a possibilidade de uma discussão subjacente sobre as transformações intrínsecas à sucessão das eras. O ambicioso é de um tempo gradativamente aberto a novos costumes, a morais diferentes. A dona dos cobiçados escritos é fruto de uma configuração social, por assim dizer, mais romântica.

Os Papéis de Aspern, portanto, lança diversos motes com os quais ensaia engendrar um instigante jogo de seduções. Sim, pois Morton, passando-se por outra pessoa, se instala na mansão nababesca de Juliana, dizendo-se escritor com uma fascinação particular pela beleza floral do jardim. Diante da praticamente impenetrabilidade da senhora que parece julga-lo a cada troca de palavras, ele se concentra na sobrinha, Tina (Joely Richardson, filha de Vanessa Redgrave na vida real), mulher fragilizada pelas décadas de submissão à parenta abastada, logo atraída pelo mistério exalante do inquilino que a corteja com segundas intenções. A despeito dessa teia evidenciada, das possibilidades que nela são dispostas com relativa eficiência, o filme não consegue ir além das observações superficiais, frequentemente penhorando as complexidades em função dos efeitos melodramáticos imediatos. Tina, por exemplo, é enigmática, mas sua debilidade emocional, oriunda dos anos de clausura e solidão, poderia ser bem melhor explorada como sintoma de uma instabilidade.

Geralmente, Julien Landais deixa que Os Papéis de Aspern seja conduzido, pura e simplesmente, pelas elucubrações de Morton, personagem imbuído de um lamurioso tom confessional. Jonathan Rhys Meyers alterna sutilezas e overacting, com este predominando, boa parte em virtude de uma tentativa, nem sempre bem-sucedida, de apresenta-lo enquanto alguém que transita de forma insuspeita entre a poética de outrora e a efervescência de sua contemporaneidade. O passado de Juliana e do autor famoso que com ela teve tórrido caso de amor é visto em flashbacks simplórios, com os atores articulando superficialmente o desejo que os conecta. O intuito é fazer das lembranças, acessadas pelas epístolas deixadas como provas cabais de amores interditados à exposição, meros atravessamentos do ontem, sem que ofereçam informações e dados além do verbalizado. É uma ilustração que beira o desnecessário, especialmente em virtude de seu caráter reiterativo.

As fragilidades de Os Papéis de Aspern desembocam num encerramento apressado. Tina, por exemplo, se transforma abruptamente. De uma hora para outra, sem mais aquela – embora, com doses cavalares de boa vontade, possa se entender a morte como gatilho ao desprendimento e à liberdade –, a antes ensimesmada e acanhada personagem passa a exibir uma postura altiva e resoluta. A obsessão de Morton, enfim transformada em melancolia, acarreta que protagonista termine como mera ferramenta de um clímax com doses generosas de lição de moral. A cobiça, a vontade de desvelar a intimidade alheia, para isso tendo propagado o discurso quanto à necessidade de tornar público aspectos de uma vida que, pelo fato de pertencer a um artista, supostamente não teria direito a certos locais preservados da luz da notoriedade, sentencia o desalento final, não deixando espaços para o desenvolvimento das esferas, então, acessadas com timidez e pouco aproveitadas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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