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Sinopse

Enquanto a cidade de Porto Alegre passa pela estação de inverno, Fernanda, Bruno e Sofia se cruzam. O entrelace ocasional na vida dos três os levam a descobrirem mais sobre cada um.

Crítica

Ambientado em Porto Alegre, Os Pássaros de Massachusetts aborda três personagens bastante embotados, cada um à sua maneira, por questões que dizem respeito, sobretudo, ao presente modorrento e ao (incerto) futuro. Todavia, a relação deles com a cidade é gélida, menos pela intenção diretiva de desenhar a metrópole como pouco propensa aos elos afetivos, mais por conta da debilidade da condução no sentido de fazer das deambulações instantes sintomáticos de qualquer coisa. No começo, Michel (Michel Legrand), para abruptamente uma desconhecida para perguntar-lhe sobre a casa de lanches das antigas que aparentemente não mais existe. O impulso é resgatar um sabor de outrora, mas a falta de desdobramentos dessa dinâmica a torna praticamente gratuita e tola. Aliás, o filme é todo construído sobre essa ideia da fragmentação como forma de mostrar certo incômodo perpassando a vivência das pessoas, bem ao gosto da Nouvelle Vague, contudo sem condições para substanciar verdadeiramente o cotidiano da gente que, então, apenas existe.

Os Pássaros de Massachusetts possui tela quadrada, várias elipses e jump cuts, ou seja, é inclinado às quebras frequentes no andamento do fiapo de enredo. Isso também diz respeito à delineação desse desconforto supostamente responsável por consumir os protagonistas. Com boa vontade, pode-se presumir que a trinca é esgotada por várias dinâmicas, pessoais, laborais, amistosas e afins. Porém, o realizador aposta veementemente num percurso sobremaneira apático, no qual parcamente suscita empatia pelas figuras em cena, limitando-as a serem títeres enquadrados de modo parcial, como se a privação do todo fosse suficiente para mostrar um esfacelamento interno. Sofia (Sofia Nóbrega) está prestes a viajar e não demonstra ímpetos para além de terminar seu lanche fortuitamente num estabelecimento sem personalidade. Fernanda (Fernanda Detoni) costura, borda, cuida do gato, escreve despreocupadamente no computador. E só isso.

Bruno de Oliveira, intérprete de um jovem igualmente sem rumo definido e diretor do longa, confia demasiadamente no acúmulo de vazios como forma inapelável de deflagrar o buraco existencial que, como vemos no encerramento, pode estar conectado com as raízes. Bruno, o personagem, morador do apartamento no qual acontece a festa (mal encenada, o que denota o seu artificialismo) pretensamente servidora de ponto de convergência entre essas pessoas com abstinências em comum, é mais determinado pelas trilhas sonoras do anime Dragon Ball que entrecortam parte relevante de sua rotina do que necessariamente por qualquer outra coisa surgida na telona. Os Pássaros de Massachusetts acumula episódios sem reconhecível peso dramático, se ampara na pressuposição do conhecimento do espectador acerca das músicas incidentes – vide a importância que elas têm para expor contornos – e, assim, acumula apatias, num percurso tão enfadonho quanto anódino.

Os Pássaros de Massachusetts é uma prova de resistência porque deixa à mercê da paciência do espectador a tarefa de apegar-se ao mínimo oferecido, no que tange tanto aos personagens quanto aos cenários e, por conseguinte, ao contexto apresentado. Os protagonistas possuem vãos internos nos quais reverbera o nada, o que se avoluma até causar asfixia. Sem a capacidade de adensar a atmosfera por meio dos procedimentos adotados, tais como a constante quebra no fluxo da trama e o desapego da progressão mais tradicional, Bruno de Oliveira cria um filme que não logra êxito ao deflagrar uma inquietação existencial relacionada ao âmbito geracional e tampouco dá conta de se aprofundar na intimidade de cada um dos esquadrinhados com displicência pela câmera. O resultado deixa a desejar, não exatamente por arriscar-se num terreno galvanizado pela Nouvelle Vague, mas por fazê-lo a partir dos lugares-comuns da vanguarda, todavia sem consistência.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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