Crítica
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Sinopse
Um incidente aparentemente banal coloca em rota de colisão duas famílias incompatíveis. Uma é formada por burgueses intelectuais. A outra é feita basicamente de proletários. No entanto, todos são potenciais predadores.
Crítica
O cinema italiano tem uma consistente tradição de observar famílias de perto. Ora célula-mãe que sustenta a sociedade, ora grupo com inclinação ao ridículo, ora microcosmo repleto de situações e comportamentos sintomáticos da natureza de uma conjuntura maior, etc. Em Duas Famílias (também conhecido no Brasil pela tradução direta Os Predadores), o cineasta Pietro Castellitto parece acenar conscientemente a mestres da estatura de Ettore Scola (Feios, Sujos e Malvados, 1976) e Mario Monicelli (Parente é Serpente, 1992), entre outros que também se debruçaram repetidamente sobre a disfunção quase natural na convivência entre pais, filhos, cunhados, netos, avós, maridos, primas e esposas. No entanto, existe um quê de satírico-sociológico na trama que envolve duas turmas, em princípio, completamente opostas, porém, mais parecidas do que os abismos de classe e os interesses deixam perceber num primeiro momento. O começo do filme é uma coleção de vinhetas aparentemente sem conexão. Há uma acelerada troca de personagens e perspectivas, habilidosa ao ponto de plantar fundo a semente da curiosidade. É cultivada uma estranheza que atravessa o golpe na idosa e os planos de exumar um cadáver bastante famoso.
Também buscando na herança italiana o tom cáustico para radiografar essas famílias (in)felizes à sua maneira, o realizador mostra que talvez seja uma perda de tempo a procura de alguém essencialmente bom. Entre mortos e feridos salvam-se poucos ou nenhum. Como o título já diz, todos envolvidos nessas tramoias interligadas são um pouco predadores, sem tantas virtudes e vontades de refletir sobre ações e reações. Para melhor compreender o roteiro de Pietro Castellitto, facilita pensarmos num rodamoinho. Inicialmente, o percurso é desenhado de dentro para fora, ou seja, com cada volta adicionando elementos capazes de conectar circunstâncias superficialmente autônomas num crescendo. Assim, o jovem desligado do projeto de investigar os restos de Friedrich Nietzsche é revelado como filho da cineasta incomodada por problemas de produção e, adiante, alvo dos bandidos/fornecedores. Ao consolidar os elos entre os Pavone e os Vismara, o enredo gradativamente regride ao centro, reforçando nesse movimento contrário as insuspeitas convergências, culminando com o retorno exatamente ao picareta (elemento externo) que funcionou como cartão de visitas.
Pietro Castellitto investe em algumas rimas diretas, vide as brincadeiras de mau gosto envolvendo armas de fogo nos núcleos dos Pavone e dos Vismara, bem como o pingue-pongue, mencionado por um sujeito dentro de uma piada e visto sendo praticado por agiotas e bandidos pé de chinelo. Mas, essa aproximação também se dá por meio de detalhes menos escancarados, como traços sutis de comportamento e impulsos de respostas às crises. Assim, Duas Famílias cria relações fundamentais entre a burguesia supostamente civilizada, recheada de tipos com bom nível de instrução educacional, mas igualmente marcada por traições, insatisfações, desvarios e afins, e a classe média baixa frequentemente grosseira, definida por atitudes beirando o estúpido e cultora de lógicas como o fascismo. E o que torna o filme ácido na leitura das duas “casas” é basicamente a ausência da hierarquização a partir das diferenças. Todos em cena são meio cafonas, exagerados, às vezes extravagantes, noutras simplesmente travados demais para fazer algo legal. Os constantes pontos de contato entre os dois universos, literal e metaforicamente falando, servem justamente para reforçar a ideia de que não se tratam de mundos separados, mas de partes compatíveis de uma realidade com requintes de absurdo.
O que Duas Famílias tem de sociológico, por assim dizer, é o exame dos padrões existentes nos membros desse recorte da coletividade italiana, bem como nas relações estabelecidas. Pietro Castellitto não demonstra interesse em priorizar as particularidades dos Pavone e dos Vismara, se detendo fortemente naquilo que os torna semelhantes/vulgares se observados com certo distanciamento. O rap agressivo da jovem na festa da avó alienada, o incentivo ao menino de 12 anos não apenas para treinar tiro, mas a fim de sempre “mirar na cabeça”, os frequentes testemunhos de falta de educação confundidos com sinceridade, são alguns indícios dessa pegada crítica do jovem cineasta – ele que interpreta o estranho rapaz obcecado por Friedrich Nietzsche –, mas que simultaneamente tem carinho por aqueles estúpidos. E o conjunto é formado por uma competente alternância de esquetes interdependentes, articuladas em forma de painel amplo. Trambiqueiros, mentirosos, malcriados, surtados e imprevisíveis convivem numa conjuntura causticamente resumida na situação do homem quase morto durante a filmagem. A dor de mentira arde de verdade, mas a cineasta prefere focar no contratempo, pouco se lixando para a vida do ator, uma das evidências claras do egoísmo que prevalece.
Filme assistido online durante a 8 ½ Festa do Cinema Italiano, em junho de 2021.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 7 |
Bruno Carmelo | 5 |
Francisco Carbone | 5 |
Leonardo Ribeiro | 5 |
MÉDIA | 5.5 |
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