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Crítica


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Onde Assistir

Sinopse

Desde o início no Circo Voador, nos anos 1980, se passaram mais quase 40 anos do surgimento da banda Os Paralamas do Sucesso. Herbert, Bi e João falam de amizade, de musicalidade e do que continua os unindo.

Crítica

“Era uma vez quatro amigos”. O documentário se inicia literalmente com a evocação da fábula, antes de o diretor se colocar em cena através da narração, afirmando o quanto Os Paralamas do Sucesso representaram em sua vida. Além disso, ele explica ser amigo próximo dos membros da banda. Além do mérito da sinceridade, este posicionamento oferece um risco e uma vantagem ao filme. Pela relação com os músicos, Os Quatro Paralamas (2020) poderia se resumir a um projeto de elogios e afagos, sem qualquer forma de contradição no discurso. No entanto, os vínculos criados há décadas permitem que os diretores Roberto Berliner e Paschoal Samora disponham de um material de arquivo impressionante, não apenas sobre os elementos mais óbvios (os shows, as composições), mas principalmente dos bastidores. Embora o documentário efetivamente não permita se envolver em qualquer controvérsia, ele fornece uma visão rara dos personagens, principalmente em casa, entre amigos, se provocando, almoçando juntos, relembrando anedotas do passado. Este pode ser um “filme de amigo” assumido, mas ele não constitui um “filme de fã”.

Isso significa que os personagens não são colocados num pedestal, como em tantas biografias a respeito de pessoas admiradas pelos cineastas. Berliner e Samora jamais sugerem que Herbert Vianna, Bi Ribeiro, João Barone e Vital Dias sejam gênios da música, melhores ou mais importantes que seus conterrâneos – aliás, eles soam curiosamente descolados do resto do cenário musical brasileiro. O filme pensa os Paralamas por si próprios, mesclando imagens de arquivo e sugerindo, acima de tudo, que constituem amigos inseparáveis, contentes em tocar juntos todos os dias, mesmo fora dos ensaios e shows, além de ajudarem uns aos outros nos momentos mais difíceis. Para quem espera uma narrativa profissional, digamos que o projeto aborda os Paralamas enquanto pessoa física, não pessoa jurídica. Por isso, o roteiro evita acompanhar álbum por álbum, show por show, medindo o desenvolvimento musical dos quatro pela resposta de crítica e público. O olhar intimista faz com que sejam valorizados por suas medidas próprias, enquanto “apaixonados pela música”, conforma atesta a narração inicial. A proximidade de Berliner resulta na bem-vinda impressão de bate-papo descontraído entre colegas, que não se sentem encarregados de dizer coisas importantes ou graves. Aliás, são nos momentos mais anódinos que se constrói uma relação mais significativa com os membros da banda em frente às câmeras.

Deste modo, Os Quatro Paralamas foge à ambição de constituir tanto um filme-documento quanto um filme revelador sobre a banda. Os fãs do grupo não descobrirão nenhum dado particularmente novo sobre os quatro, enquanto cinéfilos não encontrarão uma explicação ou resumo da trajetória do grupo. Sem sucumbir à responsabilidade de elevar os protagonistas a qualquer patamar, o ritmo soa despojado e leve. Trata-se de um filme muito agradável de assistir, permitindo idas e vindas constantes no tempo, misturando canções e clipes com interações cotidianas. De certo modo, os cineastas resgatam o vigor juvenil e a linguagem pop dos anos 1990, algo que deve se comunicar bem com os fãs da extinta MTV Brasil, canal que permitiu o florescimento de videoclipes de bandas brasileiras de rock. Por outro lado, o roteiro jamais busca qualquer especificidade do grupo: o que eles teriam trazido trazido de particular em termos de sonoridade, ritmos, letras, apresentações do palco? Não se sabe. Os cineastas estão muito mais preocupados em compreender de que modo a música agrada aos próprios músicos do que ao público. No final, quando um dos personagens afirma se sentir como um garotão, compreende-se a sensação geral transmitida ao espectador: os músicos são percebidos como os mesmos jovens que começaram nos anos 1980, sem mergulhar nas transformações da fama, nas questões financeiras, na incorporação do quarto membro etc.

Ao mesmo tempo, o documentário traz escolhas estéticas notáveis. Ao relatar o acidente aéreo envolvendo Herbert Vianna, retira-se por completo o som, para evitar o espetáculo de gritos e choros enquanto se preserva um aspecto respeitoso. Ao redescobrir fotografias de antigamente, junto da banda, as imagens valorizam a textura corroída pelo tempo, simbolizando a experiência do quarteto ao longo das décadas. Além disso, o filme incorpora com gosto as imagens granuladas, riscadas, a textura do vídeo, as roupas de antigamente, os camarins dos anos 1990 etc. O filme demonstra prazer em resgatar esta estética saudosista, contrapondo-a frequentemente à imagem contemporânea dos personagens, muito diferentes em termos de aparência, porém igualmente apaixonados pela música que produzem. Uma cena representa bem a abordagem do projeto como um todo: os quatro amigos, no tempo presente, decidem tocar por brincadeira uma pequena canção que não interpretam desde 1982. Eles riem ao relembrarem a letra, olham-se um para o outro com ar de traquinagem, mas a câmera prefere se concentrar no olhar melancólico de Bi Ribeiro, disperso após a canção, relembrando do passado. Sem explicação alguma, sem letreiros nem depoimentos para a câmera, a montagem une o presente e o passado, o prazer da profissão de 40 anos e os sonhos de uma banda iniciante. Nesta rica experiência do tempo, o filme encontra sua força.

Filme visto online no 25º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, em setembro de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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