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Sinopse

Forçado a permanecer no campus universitário para cuidar dos alunos que não têm para onde ir no Natal, o professor mal-humorado Paul Hunham acaba criando um vínculo emocional com esses desajustados deixados para trás e também com a cozinheira-chefe da escola.

Crítica

Ninguém está imune à falta de referências quando se é alçado a uma posição de imenso destaque. Pois foi o que aconteceu com Alexander Payne, que após dois Oscars e uma série de filmes de grande respaldo crítico – entre 1999 e 2013 dirigiu cinco longas-metragens, todos indicados ao prêmio da Academia – ousou sair de sua zona de conforto para realizar uma brincadeira filosófica com elementos de ficção científica, o descartável Pequena Grande Vida (2017), que pode ser apontado como o primeiro – e, até então, único – passo em falso de uma filmografia não menos do que brilhante. Foi necessário quase uma década para se recuperar, mas eis que o cineasta volta agora com Os Rejeitados, e é com uma enorme sensação de regozijo que seus fãs e admiradores irão percebê-lo mais uma vez no domínio daquilo que tão bem sabe fazer: uma história aparentemente menor, quase ínfima, mas de gigantesca repercussão junto aos mais atentos e sensíveis. Como aponta o batismo nacional – o ideal seria “os que vivem de adiar o momento de agir”, ou seja, aqueles que hesitam, sempre à espera, mas nunca no centro dos acontecimentos, um conceito de difícil tradução – a rejeição vem mais de dentro, do interior de cada um, do que imposta por aqueles ao seu redor. Parece pouco, mas no final do dia, é capaz de fazer a diferença necessária entre o comum e o extraordinário. Tal qual o filme que agora apresenta.

Não existe um ou dois personagens principais, mas, sim, três tipos nos quais as atenções se concentram. É mais fácil, até mesmo cômodo, estabelecer a dinâmica que se desenvolve entre o professor Paul Hunham (Paul Giamatti, em uma composição precisa e repleta de camadas) e o aluno Angus Tully (vivido pela revelação Dominic Sessa) – afinal, em linhas gerais, trata-se de um homem precisando libertar seu lado criança, e de um jovem que se vê obrigado a amadurecer antes do tempo. Ou seja, são dois lados de uma mesma moeda. Porém, essa equação só se mostra completa com a adição de Mary Lamb (uma surpreendente Da'Vine Joy Randolph, que já havia despertado olhares curiosos com sua participação em Meu Nome é Dolemite, 2019, e agora confirma os interesses a seu respeito em um desempenho ao mesmo tempo assertivo e delicado), a cozinheira da escola que os acompanha durante o período de festas de final do ano. Restaram apenas os três em um Overlook que beira o assustador, repleto de corredores longos e abandonados, cercados por neve por todos os lados. Foram deixados para trás, mas não estão sozinhos.

Cada membro desse trio possui uma morte, seja ela figurada ou literal, a ser superada. Parece estranho chegar a essa conclusão, ainda mais quando se sabe tratar de uma comédia, mas o tema nunca é visto com desrespeito ou de modo a ser menosprezado. A dor mais óbvia é a de Mary, que perdeu o filho, Curtis, enquanto este estava em serviço militar na Guerra do Vietnã. Ela não foi esquecida: pelo contrário, está cumprindo sua função, o que dela se espera, e esse sentimento é latente, mas nunca no centro das atenções. Aqueles com quem convive na base diária estão cientes do ocorrido e pelo seu fardo possuem simpatia, mas, como diz um aluno mimado, esperam que siga a ordem natural das coisas, desempenhando seu trabalho na hora e de acordo com o esperado. É também por isso que a relação que irá estabelecer com estes dois será tão inusitada, mas igualmente necessária: serão eles que irão lhe fornecer novamente, ainda que não de modo proposital, o sentimento de família que a ela tanto falta. Nada declarado ou pensado, e que, por isso mesmo, termina por funcionar de modo ainda mais exato.

Se Mary tem um nó dentro de si que apenas numa passagem de maior cunho emotivo se permitirá uma explosão, aprendendo não apenas a dar o passo seguinte como também guardar para si aquilo que aos outros não compete, os dilemas enfrentados por Tully – o jovem cuja família não o busca para o Natal – e por Hunham – o ermitão detestado pelos alunos e desprezado pelos colegas que não tem a quem recorrer além dos limites escolares – serão elaborados a partir de uma série de paralelos insuspeitos, mas de encaixe apropriado. Ambos se veem tão envoltos por suas próprias armaduras que há muito esqueceram como é se permitir acessar uma vulnerabilidade que talvez nem mais desconfiem possuir. Cada um com seu trauma – um perdeu o pai, o outro nunca teve um lar – eles vão aprender através dessa convivência forçada a baixar suas guardas e levantar outros tipos de defesas, não do tipo que os isole do mundo, mas, pelo contrário, os prepare para os testes mais difíceis. Por vezes, abrir mão pode representar um ganho maior do que um retorno imediato pode proporcionar. Algo que Mary foi obrigada pela vida a compreender, mas que tanto Angus, quanto Paul, também irão se deparar.

Uma das séries televisivas de maior popularidade, tanto junto à crítica, quanto ao público, foi a sitcom Seinfeld (1989-1998), que se estendeu por nove temporadas e quase 200 episódios tendo como argumento principal ser “um programa sobre nada”, como Larry David e Jerry Seinfeld, seus criadores, tanto alardeavam a cada ocasião em que eram questionados. Os Rejeitados pode ser apontado como a versão de Alexander Payne para a mesma ideia. Eis aqui um filme sem movimentos inesperados ou conflitos a serem superados, sem resoluções pelas quais se pode torcer ou vilões contra os quais todas as culpas do mundo recaem. O que aqui se passa não se encontra nos extremos, mas nestes diversos tons de cinza entre um ponto e outro, nesta zona indefinida entre a adolescência e a vida adulta, entre o estar e o partir, entre o aprender e o ensinar. Os papeis de cada uma destas figuras reunidas podem ser tudo, menos óbvios, e as designações que recebem logo de início aos poucos vão se dissolvendo e os aproximando, mostrando quão similares podem ser, não apenas entre si, mas também diante daqueles do lado de cá da tela. Uma história sobre viver um dia após o outro, com todas as pedras que vão surgindo pelo caminho e, principalmente, com a experiência que somente estes tombos podem agregar. Como dito antes, parece pouco. Mas pode ser o bastante para evitar a próxima queda.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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