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Sinopse

Em Os Sapos, Paula (Thalita Carauta), uma mulher de 40 anos, chega a uma casa isolada no meio do mato para um reencontro de amigos, mas descobre que a confraternização foi cancelada. Presa no local até o dia seguinte, ela convive com Marcelo e sua namorada Luciana, além de um casal de vizinhos. À medida que as tensões aumentam, surgem reflexões sobre amor, autoestima e o impacto dos relacionamentos tóxicos.

Crítica

A protagonista de Os Sapos é Paula (Thalita Carauta), o elemento externo de uma equação emocionalmente complexa inserida num cenário idílico cercado de floresta e rio. Convidada para um churrasco de confraternização com os ex-colegas da época da escola, ela vai para o meio do mato em busca de um pouco de paz. No entanto, inicialmente nem sabemos muito a respeito dessa personagem, apenas que ela parece mais cheia de vida dos que os demais com os quais passa a conviver num dia movimentado. Organizador do reencontro, Marcelo (Pierre Santos) se esqueceu de avisar a ela que a ocasião havia sido desmarcada. De toda forma, Paula decide ficar na companhia desse antigo colega e da namorada dele, a prendada Luciana (Karina Ramil). Desde o começo da relação entre as duas mulheres desconhecidas existe uma pequena tensão, especialmente porque Luciana não consegue esconder seus ciúmes. Habilmente, a Clara Linhart não faz questão de esclarecer nada, deixando no plano do senso comum essa restrição da namorada com a chegada da desconhecida. Somente mais à frente descobrimos o que motivou a resposta praticamente instintiva de Luciana, algo capaz de remodelar a nossa percepção. Portanto, num primeiro instante lemos o ciúme como sendo “culpa dela”, mas gradativamente percebemos que esse sentimento tem mais a ver com a insegurança emocional plantada por ele.

Os Sapos

Baseado numa peça de teatro que, por sua vez, foi inspirado numa situação real vivida pela roteirista, Os Sapos é um filme simples e sem grandes ambições cinematográficas. No começo parece ser apenas o registro de um reencontro se desdobrando em outras coisas cotidianas, haja vista a forma como Paula vai sendo apresentada aos vizinhos, incluída nos passeios, integrada à paisagem bucólica, etc. É fundamental a entrada em cena de Cláudio (Paulo Hamilton) e Fabiana (Verônica Reis), casal que mora nas redondezas. Cláudio certamente confunde a receptividade de Paula com flerte e, por isso, avança quando os sinais não estavam verdes para ele. A pergunta implícita é: o que faz esse homem se sentir no direito de reivindicar o corpo alheio sem qualquer medo de ser punido? Driblando uma que outra situação que parece dura demais por conta do texto, que nem sempre sai de maneira natural da boca dos personagens, Clara vai tecendo uma teia de pequenas intenções potencialmente críticas. Marcelo dá pouco sutilmente em cima de Paula – no que parece ser a justificativa para o ciúme de Luciana, mas ainda não. Já Cláudio é compreendido como o típico “esquerdomacho” músico que na verdade mantém a sua namorada quase sob um regime de cárcere emocional privado. O que era o fruto de um mal-entendido com informações desencontradas se torna o testemunho das inúmeras opressões masculinas.

O que de melhor Os Sapos tem é justamente a capacidade de escalar dos pequenos aos grandes conflitos sem necessariamente privar personagens de contradições e complexidades. Mesmo que a encenação seja um pouco “dura”, reflexo da subserviência à linguagem teatral de origem, aos poucos somos levados a prestar atenção às sutilezas, aos silêncios indicativos das mulheres asfixiadas por dinâmicas naturalizadas numa sociedade machista. Luciana e suas angústias sobre a natureza do relacionamento com Marcelo, homem que propõe relacionamento aberto sem considerar sensivelmente os desejos de sua parceria – provavelmente levada a aceitar o acordo por conta de dependência afetiva. Ainda sobre isso, a diretora não elabora muita coisa a partir da posterior consciência do homem sobre o possível sofrimento da namorada pela não monogamia. Basicamente o mostra confessando preocupação e não evolui muito a partir dessa penitência. Ele insiste mesmo sabendo da angústia dela com a abertura do relacionamento porque é perverso ou como uma manifestação torta e potencialmente agressiva de sua também debilidade emocional, da masculinidade frágil que precisa ser reafirmada pela conquista? Clara tenta não transformar homens em monstros, apoiando-se para isso nessa “infantilidade” de Marcelo, mas falha por não desenvolver as camadas desse sujeito associado ao escroto Marcelo.

Os principais destaques positivos do elenco são Thalita Carauta e Karina Ramil interpretado, respectivamente, aquela que desencadeia os processos com a presença forasteira e a namorada enciumada chamada por uma patente militar. Os demais atores e atriz funcionam, mas às vezes enrijecem demais seus personagens por conta de falas truncadas e movimentos pouco naturais. Há outros infelizes desperdícios, como a pouca elaboração da falsa intimidade entre os ex-colegas de escola que não se veem há anos, ou seja, pessoas sem tanta familiaridade real. Outra coisa pouco explorada é o ponto de vista da protagonista, sobretudo a partir do momento em que ela revela estar em sofrimento pessoal por conta de um rompimento amoroso recente. O que aquelas dinâmicas relacionais dizem a ela? A dor das outras mulheres funciona como gatilho ou ainda espelho para Paula relembrar episódios tensos do seu próprio relacionamento? Portanto, havia muito espaço para ampliar os personagens, a fim de extrair deles sentimentos e reações capazes de fazer a trama avançar algumas casas e ser ainda mais potente. Feitas as ressalvas, Os Sapos ainda assim é um filme com qualidades interessantes, sobretudo ligadas à maneira como ele cria determinadas expectativas e as reconfigura na medida em que revela falar menos da forasteira que causa turbulências e mais da presença externa que racha as aparências.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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