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Sinopse

Merricat e Constance vivem isoladas numa majestosa mansão, desfrutando apenas da companhia do tio Julian. Os vizinhos acreditam que uma delas envenenou o restante da família. Quando por ali chega o misterioso primo Charles, as coisas ganham outros contornos.

Crítica

O interesse pela obra da norte-americana Shirley Jackson parece ter reascendido nos últimos anos, especialmente após o sucesso da minissérie A Maldição da Residência Hill (2018). Num curto espaço de tempo, outras duas produções mergulhadas no universo de terror/suspense da autora foram lançadas: a biografia ficcionalizada Shirley (2020), de Josephine Decker, e este Os Segredos do Castelo, de Stacie Passon, que adapta o livro Sempre Vivemos no Castelo, lançado em 1962. Que ambas as produções sejam comandadas por mulheres não parece ser mera coincidência, já que o olhar feminino se mostra valioso, quase uma necessidade, para retratar as protagonistas atormentadas de Jackson. É o caso das irmãs Blackwood, Constance (Alexandra Daddario) e Merricat (Taissa Farmiga), que seis anos após o trágico incidente da morte dos pais, por envenenamento, passam seus dias na mansão da família – no alto da colina, isoladas do resto da cidade – ao lado do tio, Julian (Crispin Glover), preso a uma cadeira de rodas.

Constance, que chegou a ser acusada pelo ocorrido – terminando absolvida – permanece reclusa, sem conseguir ultrapassar os limites da propriedade, deixando à introvertida Merricat, de 18 anos, a incumbência de ir toda terça-feira à cidade, para pagar contas e fazer compras. A hostilidade com a qual é tratada pelos moradores - exceção feita à dona do Café e a uma amiga da família que visita Constance regularmente – mostra que há mais segredos obscuros envolvendo os Blackwood, além da tragédia já citada. Este mistério é envolto por uma atmosfera de conto gótico com grandes doses de excentricidade, e uma sensação constante de desarranjo, transposta visualmente por Passon por meio de uma fotografia vibrante, que acentua as cores de cenários, objetos e figurinos – as texturas dos papéis de parede, as estampas das camisas de Merricat e dos vestidos de Constance, etc. Neste aspecto, é interessante notar como o universo da autora parece despertar a mesma percepção visual tanto em Passon quanto em Decker, com seu Shirley.

Há, contudo, uma diferença no tom que acompanha esta sintonia estética entre os longas. Enquanto os excessos propostos por Decker transpiram uma qualidade febril, de um pesadelo que, mesmo de tintas surrealistas, possui um aspecto concreto, de veracidade, o exagero na narrativa de Passon expõe uma opção deliberada pela artificialidade. O símbolo mais claro desta escolha é imagem da Lua, claramente fake, sempre à vista na janela do quarto de Merricat. A diretora assume a farsa, caminhando no limite entre o trágico e o cômico – com um humor de estranhamento, peculiar. A intensidade é trabalhada em uma chave conscientemente caricatural, nos planos inusitados, na ambientação e também nas atuações, com todo o elenco se prestando a essa abordagem com competência. Taissa Farmiga assume o real protagonismo – é sua a narração que guia a trama – transitando entre a inocência e a excentricidade solitária, numa composição propositalmente repleta de tiques – da fala à postura curvada e o jeito de caminhar.

Daddario, por sua vez, materializa a figura da típica “garota modelo” dos anos 1950, com seus olhos grandes e azuis, hipnóticos, e um sorriso perfeito, mas que se sente sempre forçado, escondendo suas angústias reprimidas. A figura doce da atriz serve bem à imagem da “pessoa mais preciosa do mundo”, como a irmã a define já no prólogo – sequência que acaba sendo também epílogo, pois a narrativa adota a estrutura de flashback retornando ao ponto inicial. No papel do tio, Glover, acostumado a tipos bizarros e deslocados, surge até contido, criando um personagem simpático. O mais imprevisível, e ligeiramente menos caricato, é Sebastian Stan, que vive o primo Charles, trazendo um resquício de normalidade adequado à sua função de corpo estranho, que chega para abalar o equilíbrio – dentro dos padrões deturpados dos Blackwood – com seu comportamento charmoso e ardiloso.

As atuações auxiliam Passon a manter Os Segredos do Castelo sempre aberto à fantasia – o apreço de Merricat pela magia é outro elemento que reforça isso – chegando a colocar em dúvida se tudo o que é mostrado é real ou fruto de um delírio. Pouco preocupada em oferecer respostas – por mais que o principal mistério seja revelado – a cineasta acaba não investigando todos detalhes acerca dos traumas, do passado da família, da personalidade do pai, aparentemente abusivo – algo espelhado na figura de Charles – ou da relação dos Blackwood com a comunidade, responsável pelo ódio dos habitantes pelo sobrenome. O conflito de classes é evidente – os closes nos retratos suntuosos durante o clímax ressaltam essa opressão aristocrata – e toda a dinâmica familiar é carregada de intrigas burguesas – ou palacianas, aproveitando a alegoria da mansão como castelo. Porém, mesmo podendo frustrar por oferecer tantos simbolismos e levantar tantos questionamentos sem desenvolver boa parte destes, o trabalho de Passon é efetivo ao captar a atmosfera de paranoia causada pelo isolamento, e termina envolvendo pelo fator da estranheza, ainda que não atinja todo o seu potencial para surpreender.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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