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Sinopse

Os moradores de uma aldeia repetidamente saqueada por malfeitores recruta sete ronins (samurais sem mestre) para defendê-los da tirania que ameaça a sobrevivência do lugarejo. Os bravos guerreiros aceitam o trabalho em troca de comida, uma vez que eles próprios estão com os dias contados.

Crítica

Há certas precauções a tomar quando se propõe a análise de um dos maiores clássicos do cinema, 66 anos após seu lançamento em salas. Os Sete Samurais (1954) se tornou uma referência para o cinema de ação, um modelo para os épicos, um exemplo para os filmes de guerra, um marco para as cenas de luta. O projeto contribuiu a consagrar seu diretor, e depois se tornou um ícone da cultura popular, ganhando duas refilmagens. Nenhuma leitura contemporânea de uma obra tão marcante poderia desprezar o impacto que ela exerceu em sua arte e sua época, assim como o valor acrescido ao longo dos tempos. Não é possível aspirar a um “olhar virgem” do filme, como se fosse um projeto dos anos 2020, chegando agora aos cinemas. Ele pertenceu a um tempo específico, retratando outra época ainda mais antiga (o Japão rural do século XVI), e portanto, exige que a leitura considere estes fatos. Hoje, tornou-se mais difícil analisar Os Sete Samurais, o filme, do que Os Sete Samurais, o clássico. Mesmo assim, façamos um esforço para encontrar um ponto de intersecção entre ambos.

O roteiro escrito a seis mãos por Akira Kurosawa, Shinobu Hashimoto e Hideo Oguni parte do momento que, para a maioria dos filmes, constituiria o clímax – no caso, o ápice do desespero de um vilarejo de agricultores, constantemente saqueados por um grupo de 40 bandidos. “Temos impostos, trabalho forçado, guerra, seca... E agora os bandidos!”, resume uma lavradora. O espectador não precisa saber como surgiu cada um daqueles elementos. A relação com o governo (o imposto), com demais países e grupos sociais (a guerra) ou com os poderosos (o trabalho forçado) é apenas mencionada. Como o ponto de vista se encontra no olhar dos agricultores, e estes jamais se confrontam aos governantes, o Estado se encontra distante - e o povo, por consequência, abandonado. Ora, os protagonistas provêm de três grupos: os lavradores miseráveis, os bandidos igualmente pobres que os roubam, e os samurais famintos que, diante da crise econômica, aceitam defender pobres produtores de arroz e milheto, em troca de comida. A sociedade se devora entre classes desprivilegiadas, enquanto os poderosos são mantidos à distância.

Trata-se de uma obra profundamente política na forma como busca o embate entre classes sociais, entre idades, gêneros e concepções de moral e honra. Não se instaura uma dinâmica de vítimas contra algozes, pessoas puras contra pessoas de má índole, apenas um microcosmo social onde as leis foram suspensas. Por isso, Kurosawa dedica cerca de 90 minutos para formar seu grupo de sete samurais. No terço inicial se desenha o orgulho dos combatentes milenares, a vergonha dos agricultores em pedir ajuda, a impulsividade dos jovens contra a sabedoria dos idosos, a vontade de liderança dos homens contra a posição doméstica reservada às mulheres, a honra da virilidade (“cortar adversários ao meio”, servir bem aos seus mestres) em oposição à honra de preservar inocentes. O filme se aprofunda na construção psicológica de cada um dos espadachins, que possuem modos distintos de falar, de se portar e mesmo de atuar. Entendemos por que aceitam participar da batalha (se imediatamente, ou se hesitam), de que maneira lutam, e em nome de quais princípios arriscam as suas vidas. Como nos melhores filmes de guerra, o interesse não se encontra na batalha em si, e sim no confronto entre personalidades conduzindo ao choque. Só podemos torcer por personagens em perigo a partir do momento em que os conhecemos, quando se tornam figuras de identificação. Senão, se reduzirão a corpos sacrificados à lógica do espetáculo.

A propósito, convém chamar atenção ao fato que a obra considerada como o “primeiro filme moderno de ação” jamais se rende à espetacularização da violência, nem aos prazeres gratuitos da morte. Hollywood e a produção massiva do gênero buscariam mais tarde a intensificação de sensações por meio do exagero de personagens e de cenas. Logo, apareceriam heróis incrivelmente fortes, inteligentes e destemidos, combatendo vilões perigosíssimos (culminando no enfrentamento final entre ambos, após eliminar todos os soldados do chefe), em instantes de muito sangue, sofrimento, esforço sobre-humano etc. Nada disso aparece em Os Sete Samurais, que prega uma abordagem humana e verossímil dos confrontos. Os bandidos não possuem liderança nem um cérebro único por trás dos ataques, porém nem por isso são abordados de modo anônimo. Pela estrutura narrativa, são confrontados um por um, durante mais de uma hora de batalha. Os samurais montam uma emboscada, matam um adversário, efetuam novos planos, matam mais dois, e assim por diante. A lógica da gradação – os perigos ficam cada vez maiores e mais intensos – não se aplica aqui. O diretor, quem diria, trouxe certa linearidade ao épico.

Kurosawa privilegia o protagonismo da coletividade. Assim, as pessoas são eliminadas aos poucos, ao longo de vários dias, durante os quais os combatentes dormem, descansam, conversam, refletem. Para um filme de 3h30, o diretor possui a consciência de que a dilatação do tempo e o detalhamento da batalha evita a simplificação dos conflitos. Considerando que há pelos menos uma dúzia de protagonistas (os setes samurais do título, além dos principais agricultores), cada um possui seu momento de ação e reflexão, o que se traduz numa trama extensa, porém de bom ritmo, muito bem construído por saltos temporais. As imagens são deslumbrantes: numa época de câmeras pesadas, devido à filmagem em película, o diretor efetuou planos giratórios em torno dos personagens, retratando os ataques sob a chuva num terreno de lama, captando lutas em meio às patas dos cavalos, no centro da floresta, tanto de dia quanto de noite, tanto por planos aéreos quanto por imagens próximas. Percebe-se uma variedade e um refinamento de linguagem impressionantes, elaborados tanto pela bela direção de fotografia quanto pela direção de arte, que faz uso expressivo dos cenários e figurinos (vide as cenas em que um samurai se disfarça de monge, um protagonista se veste de bandido e uma armadura se passa por espantalho).

Há trocas de identidade e estratégias suficientes para fazer deste um filme de guerra que privilegia os bastidores do enfrentamento. Por mais belo e elegante que seja a longa batalha, ela permanece cadenciada, contemplativa. A edição não se fragmenta em excesso, a trilha sonora não se intensifica mais do que nas cenas de apresentação dos personagens. Kurosawa trata a guerra como uma consequência lógica dos eventos anteriores, um encaminhamento orgânico, surgindo aos poucos – cada dia, os personagens estão mais prontos para a chegada dos inimigos, e mais bandidos aparecem pelas redondezas – ao invés de um momento de impacto como Hollywood viria a produzir em seus épicos à la O Senhor dos Anéis. A estrutura não é conduzida para a batalha, pelo contrário: a divisão em três partes de durações praticamente iguais (1. A formação do grupo, 2. A difícil adaptação dos samurais nobres entre os lavradores ingênuos, 3. A batalha) faz questão de dar igual atenção ao caminho e à conclusão. Os Sete Samurais possui a melancolia dos melhores faroestes, incluindo a amplitude dos espaços vazios e a sensação de insignificância do indivíduo em relação à natureza e à nação. Os samurais são figuras tristes, que apesar de brincarem uns com os outros (Toshiro Mifune garante ótimos momentos cômicos) ainda carregam um aspecto crepuscular do trabalhador cuja função consiste em se oferecer à morte.

“Você é uma pessoa magnífica”, afirma o jovem samurai àquele mais experiente, num beco escuro, apenas para os olhos do espectador. “Esta criança sou eu”, chora o samurai impulsivo, quando salva uma garotinha de um incêndio, e vê se reproduzir o trauma de sua infância. Ao longo desta trajetória, Kambei (Takashi Shimura), o excelente espadachim que sempre lutou ao lado dos perdedores, precisará acreditar em sua capacidade, Kyuzo (Seiji Miyaguchi) encontra um novo significado para a noção de sacrifício, Katsushiro (Isao Kimura) descobre a importância fundamental daqueles que não seguram espada alguma. Eles choram, se abraçam, bebem juntos. Para um épico longo e grandioso, com tambores rufando nervosamente desde os créditos de abertura, Os Sete Samurais encontra uma impressionante ternura pelos personagens, e de um para o outro. A belíssima conclusão rechaça a ideia de vitoriosos contra perdedores, ou mesmo de heroísmo, quando os sobreviventes percebem que “a vitória foi deles”, dos lavradores, e não dos homens de espada na mão. Através da vitória dos perdedores, ou da sobrevivência do mais fraco, Kurosawa desenha uma bela fábula da revolução social, enquanto instaura uma forma única de olhar para o cinema e para a História.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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