Crítica
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Sinopse
Crítica
A adaptação aos cinemas de modelos e ideias bem-sucedidas popularmente não é uma novidade. Por exemplo, as chanchadas carnavalescas pegaram emprestados elementos e linguagens do teatro de revista e da rádio para dialogar com um público amplo em seus primórdios e tempos áureos. Por sua vez, a trupe dos Trapalhões fez sucesso na televisão antes de migrar às telonas – e se tornar um dos fenômenos de bilheteria da história do cinema brasileiro. Os Suburbanos é o derivado cinematográfico do humorístico televisivo homônimo, célebre pela caricatura de personagens que moram longe das regiões consideradas nobres do Rio de Janeiro. E a grande questão que se apresenta já na adaptação é: de que modo reproduzir o efeito cômico dos esquetes curtos originais na história contada num longa-metragem? O roteiro assinado por Rodrigo Sant’Anna e Denise Crispun opta pelo mais simples, ou seja, por manter o DNA episódico e construir uma linha geral bastante vaga com a esperança de que nela se grudem as frações. Infelizmente, o resultado é um amontoado de pequenos quadros que transformam em algo secundário o sonho do homem em busca de sucesso como cantor de pagode. A fragmentação enfraquece a premissa e gera uma pulverização excessiva dos vários assuntos mal propostos e elaborados. As piadas ligeiras são próprias aos programas televisivos dos formatos de tiro curo.
Jefinho (Rodrigo Sant’Anna) começa o filme prestes a cometer suicídio. A quebra da quarta parede e a metalinguagem marcantes na cena servem para o protagonista “tirar onda” com a cara da plateia que teria pagado meia-entrada (falsificando carteirinhas de estudantes) e seria incapaz de compreender uma estrutura narrativa com flashbacks. Sim, os criadores pressupõem que os espectadores de Os Suburbanos serão tolos e trambiqueiros. E isso é dito por Jefinho antes de a história retroceder no tempo para acompanharmos o começo do caminho. O rapaz tem um caso com a patroa vivida por Cristiana Oliveira, almeja mostrar seu CD para o patrão (dono de uma poderosa gravadora), personagem interpretado por Paulo César Grande, e mantém relacionamento com Gislene (Carla Cristina Cardoso). O longa-metragem é inteiramente construído com base em estereótipos. Jefinho é o “doce picareta” que acabará perdoado de todas as suas falhas/erros; Gislene é a mulher encrenqueira que volta e meia arma barracos homéricos; o patrão é o corno em potencial, enquanto a patroa é a ricaça que fetichiza o corpo do empregado pobretão; o mordomo é o pobre puxa-saco com trejeitos chiques; a avó (vivida por Mariah da Penha) é a matriarca de coração gigante que acolhe todos sob as suas asas; e o primo Wellington (Babu Santana) é o fiel escudeiro que está sempre ao lado de Jefinho.
Rodrigo Sant’Anna faz chacota com as características atreladas comumente aos moradores suburbanos, mas não enxerga esse mundo carinhosamente, mesmo às vezes observando o afeto que circula por esse espaço geográfico menos impessoal. Jefinho não apenas fala errado. Seu intérprete sobe o tom da voz para sublinhar essas falhas repetidamente. Quando pronuncia errado a palavra “problema”, por exemplo, Rodrigo o faz com a ênfase de quem deseja chamar atenção para o teor grosseiro do erro. O ator/roteirista passa mais tempo expondo os personagens ao ridículo do que elaborando coisas como a revelação de que o(a) padrinho/madrinha Dinda interpretada por Nando Cunha deseja se assumir enquanto mulher. Aliás, o personagem homossexual é sujeitado ao papel de alívio cômico – vide a cena dele flertando com o médico bonitão. Sem qualquer subjetividade, o padrinho/madrinha nem bem serve para Jefinho aprender lições sobre respeitar o próximo ao entrar em conflito com sua heterossexualidade cunhada de preconceitos. Não que se espere de uma comédia de humor rasteiro como Os Suburbanos a densidade de outras obras quanto à representatividade. Porém, é desejável que, sobretudo certas comunidades historicamente subrepresentadas, não sejam consideradas penduricalhos ou, ainda pior, enquanto simples respiros cômicos sem relevância.
Os Suburbanos nem bem destaca a ascensão de Jefinho no mundo da música. O mais importante aqui é o conjunto de cenas em que protagonista e coadjuvantes imediatos reproduzem estereótipos relativos ao subúrbio visando provocar graça. Mas, aí cabe um questionamento: ao reduzir as pessoas aos seus erros e às características que as comprimem em caricaturas prevalentes no imaginário popular, não estaria o artista oferecendo uma espécie de salvo-conduto para rir DOS suburbanos e não COM a população periférica? Alguns dirão que ricos e pobres têm a mesma natureza oca, superficial e estereotipada no longa-metragem dirigido por Luciano Sabino (o que é verdade) e que, por isso, a abordagem somente pode ser encarada como neutra no trânsito entre as classes sociais. Contudo, a tipificação é mais acintosa no núcleo dos remediados, frequentemente definidos por sua grosseria, não apenas portadores dela. Jefinho não é um personagem carismático, sequer como o homem falho, mas de bom coração, por quem acabamos torcendo. E isso se deve principalmente à composição histriônica de Rodrigo Sant’Anna, cômico que utiliza o exagero em busca do diálogo com as massas. No fim das contas, a produção é uma sucessão de números frágeis em que a repetição da falta de criatividade e de nuances se torna a tônica dominante. Uma colagem preguiçosa de esquetes.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 3 |
Alysson Oliveira | 1 |
MÉDIA | 2 |
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