Os Últimos Dias de Copacabana Jack

Crítica

Os Últimos Dias de Copacabana Jack é sustentado por três pilares. O primeiro é o discurso da imprensa que orienta a percepção do espectador. O segundo, relativamente o mais bem-sucedido, a sucessão de planos de Copacabana, bairro da zona sul do Rio de Janeiro, que fornecem uma ideia bastante ampla dos espaços dessa famosa localidade. O terceiro é o registro do cotidiano do personagem vivido por Armando Pahl, sexagenário que acompanha atentamente os desdobramentos de um caso que assola a vizinhança. Pacotes ensanguentados, de conteúdo ignorado, senão pela perícia do Instituto Médico Legal, são largados em vias públicas e latas de lixo. Logo, a existência de um assassino em série é aventada pelos meios de comunicação, causando pânico nas cercanias já tão convulsionadas por crimes de várias naturezas. De positivo, há a tentativa, nem sempre completamente exitosa, de burlar limitações de produção para estabelecer um clima de instabilidade.

Mesmo os vislumbres do bairro conhecido como “a princesinha do mar” sofrem por conta da inclinação do cineasta Rob Curvello pela repetição. Depois da segunda sessão de tomadas aparentemente aleatórias de esquinas, bares, paisagens naturais e deslocamentos humanos, as subsequentes semelhantes surgem apenas para reafirmar o anteriormente expressado. A despeito disso, Os Últimos Dias de Copacabana Jack consegue traduzir um pouco da singularidade de Copacabana, desse caos mais ou menos organizado, paradoxo que acompanha a constituição da instituição carioca reconhecida internacionalmente. Todavia, a integração com as duas outras instâncias basilares é superficial, quando não ineficiente. De forma direta, a trama aponta aos efeitos estabelecidos pelas justaposições. Eles levam a crer na culpabilidade do homem que, além da curiosidade quanto ao caso bizarro, surge cortando carne e etiquetando pedaços sangrentos de cadáver bovino.

É justamente na captura do dia a dia do sujeito que o filme peca sobremaneira. A decupagem, que privilegia close-ups e planos-detalhe, visa criar uma aura de mistério em torno dessa figura a respeito da qual pouco se sabe. Mas, para a efetividade disso, seria necessária uma maior inventividade da montagem, além de uma interpretação sólida do ator, o que não acontece. Gerando certa monotonia, a edição apenas faz o que dela se espera num nível epidérmico, sem imprimir a urgência intrínseca à plenitude do artifício utilizado pelo realizador como bomba de fumaça. Armando Pahl tampouco dá conta de constituir uma dubiedade por intermédio de gestos e olhares, restringindo demasiadamente o personagem. Ainda que gere doses de expectativa em torno da possível existência de alguém que pretensamente vem desovando corpos inertes, Os Últimos Dias de Copacabana Jack é cerceado pela direção desatenta com relação às modulações de tom.

Os recursos de Os Últimos Dias de Copacabana Jack se esgotam rapidamente. Rob Curvello demonstra a vontade de construir um suspense que dialogue umbilicalmente com as idiossincrasias de Copacabana, especialmente ao ressaltar, por meio, por exemplo, de depoimentos encenados, as peculiaridades e os tipos locais. Porém, da mencionada falta de disposição para criar uma estratégia narrativa com espaços às obscuridades, da aposta de todas as fichas no delineamento de uma inverdade, para isso lançando mão de componentes surrados, aqui não trabalhados com pungência, decorre o resultado frágil. Incapaz de apresentar a tensão ocasionada pela suspeita de assassinatos no bairro – os relatos de repórteres e âncoras é insuficiente nesse sentido – o cineasta acaba fazendo um filme carente de atmosfera, cujo clímax não é efetivamente surpreendente ou impactante. A trajetória poderia ser generosamente abreviada sem perdas consideráveis.

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Marcelo Müller

Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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