Crítica
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Sinopse
Criada numa comunidade hippie, Vicenza acaba de completar 18 anos. Se sentindo madura o suficiente, resolve partir em busca da verdadeira identidade de seu pai. Essa jornada de autoconhecimento na busca por suas origens vai mostrar que ‘ser pai’ e ‘ser uma família’ vai muito além dos laços sanguíneos.
Crítica
Alguém estranha à metrópole, tendo dificuldades numa jornada desafiadora em terreno hostil. Mote bastante familiar, pois comumente utilizado. Mas, em Pai em Dobro, a cineasta Cris D’Amato praticamente exclui os contratempos do caminho de Vicenza (Maisa Silva). Nascida e criada numa comunidade hippie afastada, ela sonha em finalmente saber quem é seu pai. Aproveitando a viagem inesperada da mãe, Raion (Laila Zaid), à Índia visando iluminação, decide empreender uma importante ida à cidade do Rio de Janeiro depois de encontrar a fotografia que pode ser a pista almejada há 18 anos. Para viabilizar o plano, ela simplesmente vai de bicicleta à rodoviária, coloca “magrela” à venda e, depois de um êxito no estilo “estava escrito nas estrelas”, começa o que pode ser um movimento essencial para mudar de perspectiva. Assim como a operação que garante o dinheiro para pagar o ônibus, no decurso do filme praticamente nada se apresenta como entrave ao que a protagonista deseja. “Seguir o coração” garante que tenha sempre sucesso e vença os obstáculos.
Nesse sentido, Pai em Dobro se assemelha a uma fábula. Suas engrenagens simplesmente se encaixam porque a protagonista é incrível e, além disso, manifesta desejos nobres. Todavia, Cris D’Amato não está disposta a escancarar o empréstimo que faz dos contos de fadas e da carochinha para, assim, fundamentar o filme numa consciência de cânone – espaço conceitual, feito de fórmulas e medidas que delineiam certa abordagem ou gênero. A ingenuidade presente no filme atende a isso, o tom descomplicado de sentimentos e dos eventuais conflitos sentimentais, a maneira repentina e fácil de desatar nós aparentemente difíceis, tudo responde à vontade de fazer algo de fácil comunicação e assimilação. Vicenza percorre distâncias em minutos, transita entre possíveis pais com facilidade e até problemas verbalizados são esquecidos como num passe de mágica. Paco (Eduardo Moscovis), por exemplo, diz estar financeiramente falido, situação corroborada pela pilha de boletos não pagos em sua mesa, mas ostenta comprando várias roupas à “filha”, assim, despreocupadamente.
Pai em Dobro não tem comprometimento com a realidade, sendo talvez mais bem-sucedido diante daquele espectador com alta predisposição para suspender a própria descrença. Cris D’Amato não torna razoáveis determinadas circunstâncias, vide os vários entraves resolvidos como se o destino conspirasse a favor dos justos e os diversos descompassos. A descoberta de que não é “tão zen assim” por parte de Raion representa bem os inúmeros ruídos encarregados de afrouxar a possibilidade de um envolvimento emocional menos fugaz. As cenas do incômodo com o calor indiano e as moscas predominantes no local de meditação servem para nada, a não ser como tentativa de reforçar um estereótipo muito recorrente em vislumbres de gente meditando – alguém que não aguenta o silêncio, a quietude e começa a ser inconveniente com os demais. Além disso, difícil engolir que uma pessoa de vivência hippie há mais de 20 anos, moradora de uma comunidade alternativa, pudesse experienciar um desconforto tão radical. O (pouco) efeito cômico sobrepõe o plausível.
Portanto, se Cris D’Amato abraçasse vigorosamente a óbvia inclinação de Pai em Dobro pela fábula, essas disfunções provavelmente nem incomodariam, pois não seriam necessariamente debilidades, mas sim pontes de diálogo com uma tradição de bases específicas. Envolta numa realidade moldada para que as ameaças passem longe, ou, quando muito, sejam afastadas antes de representarem realmente um perigo, Vicenza precisa apenas lidar com o dilema instaurado assim que estreita laços com Paco e Giovanne (Marcelo Médici). Aliás, nem a oposição fundamental entre esses candidatos a pai – artista versus homem do mercado financeiro – é bem aproveitada, sobretudo por conta da falta de importância das vocações ao desenho dos personagens. O filme possui ritmo, é bem contado ao ponto de não ficar “patinando” e está longe de aborrecer. Do elenco, Maísa Silva sobressai pela competência na construção de sua ingênua e cativante hippie adolescente, sendo os demais membros somente friamente adequados aos arquétipos por eles encarnados. Contudo, cabe uma menção honrosa à participação especialíssima de Roberto Bonfim, ator que engrandece um papel minúsculo.
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