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Sinopse

Em Woodsboro, a adolescente Tara é atacada em sua casa por uma pessoa vestida com a máscara de Ghostface. Logo, descobre-se que a motivação pode estar ligada a um segredo no passado de sua irmã, Sam. Conforme as revelações vêm à tona, os crimes se multiplicam, em conexão com as mortes originais. Sidney Prescott, Gale Riley e Dewey Riley precisam retornar ao cenário de seus traumas passados para impedirem uma nova tragédia na cidade.

Crítica

A cultura pop tem como traço definidor a colagem de referências, a mistura de citações, a viagem entre tempos, estilos e tendências. Está na origem da pós-modernidade a capacidade de reciclagem, aglutinação, de preferência colorida, barulhenta, assumidamente caótica. Os conceitos de fan base e fan service implicaram na existência de um espectador VIP, um amante mais apaixonado que os outros, e por isso, mais exigente na correspondência a esta dedicação. Produtores passaram a criar obras pensando em agradar às inúmeras demandas deste público ferrenho, que se autodenomina especializado devido ao afeto. Assim, a cinefilia se profissionalizou, passando a demandar conteúdo ao invés de apenas consumi-lo. “Você trabalha para mim”, parece dizer o fã sedento por novos produtos de uma marca querida. Ou então: “Você se torna responsável por aquilo que cativa”, dispararia aos criadores de conteúdo, no melhor modo O Pequeno Príncipe. Este comportamento garante a rentabilidade de diversas obras transformadas em item de colecionador, do tipo que se compra independentemente de gostar ou não, para fazer parte da lista completa. No entanto, implica em certa padronização, graças às passagens obrigatória a cumprir. Fãs de Pânico querem ver o Ghostface, a ligação telefônica a uma garota solitária em casa, o rosto assustado de Sidney Prescott, a revelação do(s) assassino(s) no final, as perseguições escada acima com uma faca nas mãos, o anúncio das regras de sobrevivência etc. A criação se vê refém de sua própria criatura.

Não basta os filmes terem consciência de suas características e falhas: eles precisam explicitá-las, brincar consigo mesmo, antecipar as críticas que receberão. A metalinguagem costuma ser percebida enquanto sinal de inteligência (pela consciência de suas qualidades e defeitos), porém ela se acentua até chegar numa estrutura vertiginosa - algo comum à pós-modernidade, que prefere intensificar estruturas a subvertê-las de fato. Assim, Pânico 5 possui plena consciência de ser um slasher adolescente que integra uma franquia clássica, e faz questão de repeti-lo a cada instante. O roteiro sublinha sua diferença em relação ao humor “elevado" de O Babadook (2014), Corrente do Mal (2014) e Hereditário (2018), admitindo pertencer a outra natureza de horror. Ele confessa que o original era melhor; as sequências foram fracas; é normal haver dois assassinos; é preciso desconfiar do par romântico, assim como buscar motivações no passado dos protagonistas. Admite ser parecido demais com Halloween, e herdeiro de A Hora do Pesadelo. Este é um meta-slasher-whodunnit, nas palavras dos próprios personagens. Os diálogos lembram uma sala de roteiristas em processo de criação: “É preciso dar um tiro na cabeça, ou eles voltam”. “Bem-vindo ao ato 3”. “Agora, o grand finale. “Você está estragando o meu final”. Os adolescentes desta aventura consomem terror freneticamente, em especial a franquia Stab, um nome fantasia do original Scream. Eles sabem de que maneira serão atacados - o que não contribui a interromper os ataques. 

O problema de tamanha autoconsciência, em chave paródica, reside na proximidade do cinismo. As estruturas metalinguísticas serviam a princípio para a diversão e reflexão, graças à possibilidade de se encarar como farsa (caso do excelente Pânico 4, 2011). Agora, elevado à enésima potência, o festival de citações adquire a função de escudo retórico contra comentários negativos. Considerou as mortes fracas? “Mas é assim mesmo, o filme está brincando com os assassinatos absurdos”. Adivinhou a identidade do Ghostface antes da revelação final? “É claro, o próprio filme antecipa quem será”. Considera que não atinge o nível dos horrores “artísticos” e ousados? “O filme sabe disso, e admite”. O universo autocentrado serve para blindar a obra, exposta aos olhares fervorosos dos fãs. Todas as críticas, e também elogios, são antecipados nos diálogos, pelos metapersonagens cientes de estarem dentro de uma produção audiovisual. O vilão chega por trás de uma jovem sentada no sofá e a ataca, enquanto ela assiste a um filme de terror estrelado por uma jovem sentada no sofá, sendo atacada por trás. “Você nunca viu filmes de terror? A gente não pode se separar”, relembra um adolescente, antes da inevitável separação. “Você sabe que não deve descer no porão sozinha?”, questiona outra voz, até a garota partir sozinha mesmo assim. Há um senso de inevitabilidade nesta construção: o roteiro parece ter sido elaborado a partir das críticas negativas em caixas de comentários de portais da Internet. Ora, as vítimas sofrerão exatamente o destino que previam. 

Pânico multiplica as menções à trilogia original, à guinada do quarto filme, aos momentos célebres de Sidney Prescott (Neve Campbell), Gale Riley (Courteney Cox) e Dewey Riley (David Arquette). No entanto, o projeto se encerra em si próprio, num círculo (ou espiral). No registro autofágico, transforma-se em homenagem, uma longa recapitulação e jogo de adivinhações com o espectador. Os diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, do ótimo Casamento Sangrento (2019), exploram os quatro filmes anteriores na condição de começo, meio e finalidade deste quinto capítulo. Evita-se avançar na mitologia, subvertê-la de qualquer modo, proporcionar novas cenas icônicas, surpresas no modus operandi, na psicologia de algozes e vítimas. O longa-metragem de 2022 satiriza inclusive o próprio título, dizendo que deveria se chamar Pânico 5, ao contrário de apenas Pânico - o que jamais o impede de manter o nome original, é claro. Apela-se à condescendência e inconsequência: sei que tal atitude seria fraca/errada/repetida/clichê, porém decidi fazê-lo mesmo assim. No mundo de aparências, a sinceridade se confunde com inteligência, e então, com qualidade. Ora, esta história oferece mais do mesmo, com plena ciência disso. Hoje, a reprodução em looping do produto adorado será considerada uma medida respeitosa e fiel, ou então pouco ambiciosa, dependendo da interpretação do espectador. Ora, talvez o bom cinema seja desrespeitoso e traidor por definição. Nenhum gênio criou obras-primas na obrigação autoimposta de agradar a maioria - o que inclui Wes Craven, criador deste projeto irreverente para a época. 

Além disso, o quinto capítulo expande e explicita certos comportamentos enraizados na franquia. As mortes dependem de uma capacidade sobre-humana do Ghostface, que aparece e desaparece sem deixar rastros, por milagre, atrás de portas e arbustos. Seria impossível que o adversário sumisse com tamanha facilidade, ou fizesse as ligações ao lado dos mocinhos sem ser percebido. Assim, o roteiro trabalha com capacidades mágicas do psicopata. Este teen slasher se baseia no voyeurismo de otimizar e se deleitar com mortes, facilitando o caminho do assassino. O quinto filme traz mortes em plena rua, à luz do dia, quando nenhum passante testemunha o crime. Perseguições ocorrem em cenários convenientemente vazios, a exemplo de hospitais, refeitórios e no gramado em frente à casa onde ocorre uma grande festa. Os criadores oferecem ao vilão tempo de sobra para esfaquear suas vítimas com requintes de sadismo, sem se preocupar em ser pego no ato, nem deixar traços de suas digitais. A polícia chega muito depois dos homicídios, e jamais parece efetuar qualquer investigação séria a respeito - os jovens precisam se defender sozinhos da ameaça superpotente. Em certa medida, Ghostface representa um mal imaginário, ou pelo menos invisível, espécie de trauma recalcado que volta com frequência na vida de Gale, Sidney e outros sobreviventes. O sujeito mascarado implica numa fobia incontrolável, um estado de espírito ligado à angústia e ansiedade. Embora não o desejem, os antigos alvos do matador retornam às cenas de mortes anteriores, e se expõem ao perigo mais uma vez. É inevitável, e também sedutor, torturar Sidney Prescott pela enésima vez. Pânico decorre de um pacto de sadismo entre os diretores e o espectador.

A autoconsciência também implica na necessidade de modernizar alguns procedimentos dos filmes originais. O primeiro Pânico (1996) dependia dos telefones fixos, que garantiam a presença dos jovens em suas casas, e na tendência de atender ao aparelho mesmo sabendo que o vilão estaria do outro lado da linha. O telefone fixo prendia os personagens ao cenário onde seriam agredidos. Os celulares permitem a mobilidade dos corpos em qualquer cenário, dispersando a premissa da invasão doméstica. Pelo menos, o texto consegue se divertir com o GPS, o compartilhamento de localização e a dificuldade de destravar o celular quando se está nervoso (ou com os dedos cobertos de sangue). Já a faca carrega outra importância fundamental: o slasher depende das armas penetrantes, pontiagudas, e portanto das mortes por contato físico (razão pela qual diversos pesquisadores evocam o erotismo dos ataques penetrantes, tendo como principais alvos as mulheres). Ora, nos Estados Unidos apaixonados por armas, tendendo a resolver desavenças à base da bala, é preciso haver justificativa para não se disparar um revólver contra o assassino. Apela-se então para o absurdo: nenhum disparo será capaz de deter o vilão sanguinário. Há policiais e xerifes na trama, porém suas pistolas serão completamente inúteis: apenas facas podem encerrar uma vida, contanto que os golpes se multipliquem até o último respiro.  

A disposição de personagens se ajusta à geração Z e às configurações sociais exigidas de um filme adolescente da década de 2020. Isso significa que, ao lado dos arquétipos tradicionais do esportista musculoso, da namorada fogosa e do nerd rejeitado pela maioria, existe também uma garota negra e lésbica assumida, latinos nos papéis principais e policiais asiáticos. Os personagens negros não precisam ser os primeiros a morrer, e a sexualidade de Mindy (Jasmin Savoy Brown) se insere na trama sem alarde. Os estudantes ainda manifestam comportamentos pouco justificáveis (eles revidam contra Ghostface e, diante do corpo inerte do adversário, saem correndo ao invés de matá-lo ou retirar sua máscara), porém ao menos conseguem admitir outros corpos, sexualidades e existências. Não há sinal de racismo, nem homofobia no horizonte - o psicopata agride todos, democraticamente. Certo, eles permanecem na condição de estereótipos assumidos, dotados de um ou dois traços de personalidade, no máximo. É improvável que espectador saia da trama com os nomes destes garotos e garotas em mente, e a justificativa do vilão para as mortes será, mais uma vez, risível. A saga Pânico nunca foi conhecida pelo valor de suspense psicológico, desenvolvendo motivações crescentes e plausíveis. Pelo contrário, prefere imaginar adolescentes fúteis e enlouquecidos, que explodem porque “seu pai fez sexo com minha mãe” e outras justificativas fracas. A psicologia se limita à paródia: dê um motivo a estes garotos, qualquer um, porque o interesse se encontra na morte, não em sua explicação. Estas pessoas matam porque podem, porque o desejam. Neste aspecto reside um dos verdadeiros pavores da franquia.

Na direção, Bettinelli-Olpin e Gillett decidem implementar seus traços estéticos específicos, sem reproduzir o estilo de Wes Craven. A escolha é compreensível, embora resulte numa estranha obsessão pelos close-ups com profundidade de campo reduzida. Em outras palavras, 90% das cenas se baseia em rostos filmados de perto, ocupando a tela inteira, enquanto o mundo ao redor está desfocado por completo. O tal horror “elevado" que o roteiro parodia aposta no uso inteligente dos espaços, da solidão em locais grandes e do silêncio em cômodos vazios. Aqui, parte-se para o inverso: existem apenas rostos em plano e contraplano - nem a “garota gostosa” tem seu corpo valorizado, nem o esportista revela seus músculos. Em provável escolha irônica, somente o nerd terá o corpo exposto numa cena de banho (sendo em seguida punido por isso). Os cineastas não oferecem imagens interessantes em termos de enquadramento, luz ou duração, pois a “ambição artística” passa longe do jogo referencial. Em contrapartida, dominam com facilidade as gags visuais, a exemplo da sequência de portas se fechando na casa de Wes (Dylan Minnette), quando se espera que o Ghostface apareça por trás de cada uma delas. O encerramento grotesco se assume como tal, e será desculpado pela sinceridade do universo referencial - a conclusão é exagerada de propósito. Pânico, o quinto filme que remete incessantemente ao primeiro (até no título) resulta numa obra de antecipação. O público sabe o que deseja, e o filme sabe o que o público deseja. Assim, enuncia ao interlocutor (“eu sei o que você procura”), ameaça não entregar, mas no final, fornece o que havia prometido. 

Para o bem ou para o mal, o público, na condição de contratante da obra, paga para encontrar o que buscava. O fator surpresa cede espaço ao prazer do conforto, da sensação de uma obra elaborada para mim, que acompanhei a saga desde o começo, que acabei de maratonar os quatro filmes anteriores antes desse. Garante-se o retorno sobre investimento e uma espécie de pacto da espectatorialidade. Ironicamente, nos últimos meses, o cinema de terror trouxe uma obra baseada na estranheza, na surpresa, no movimento de atrito contra o público. Maligno (2021), de James Wan, se arriscava a fornecer algo novo, e até frustrante, no sentido de romper com expectativas e com a promessa de um horror polido. Apresentavam-se outros monstros, outras modificações sombrias do corpo invadido pelo mal (ao invés de penetrado, como no slasher). Maligno recebeu uma resposta entusiasmada da crítica, porém fraca do público. Na fase delicada da volta as salas de cinema em meio à pandemia de Covid-19, quando diversas produções falham em conquistar a atenção do público, os horrores se dividem: uma vertente do terror, mais jovem e comercial, assume-se enquanto indústria e fórmula pura, já a outra se afasta por completo dos moldes consagrados. Ambas abordagens podem ser consideradas extremas em suas leituras do que “o espectador quer”: enquanto os estúdios Paramount apostam na metalinguagem vertiginosa dos clichês; a New Line Cinema acredita na necessidade de confrontar o espectador, adormecido pelas obras padronizadas do streaming, através do bizarro e do excêntrico. Será interessante descobrir, daqui a alguns anos e décadas, qual destes dois (e outros filmes produzidos nesta época) marcará a cinefilia de sua geração.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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