Crítica
Leitores
Sinopse
Cinco amigos driblam as regras de uma estação de esqui para comemorarem o Ano Novo sobre as montanhas. Quando tentam descer, ficam presos a centenas de metros de altura no bonde que transporta turistas. Não há sinal de celular, o resgate não chega, e ninguém percebe o grupo preso durante as comemorações. Como sobreviver antes de morrerem de frio, fome e sede?
Crítica
Um grupo de amigos fica preso no bondinho que transporta turistas dentro de uma estação de esqui, a centenas de metros de altura. A eletricidade acabou, os técnicos não respondem, o celular não funciona. Faz muito frio lá fora e ninguém parece ter notado a presença dos azarados – especialmente na virada do Ano Novo, quando todos estão celebrando. As circunstâncias que permitiram aos cinco personagens subirem num bonde quando o parque estava fechado soam improváveis, mas o diretor Tigran Sahakyan está mais preocupado em oferecer um cenário desesperador do que justificá-lo. O ponto de partida consiste em colocar os protagonistas numa situação insolúvel, para então trabalhar o suspense. Como fugir do local onde as possibilidades de socorro foram eliminadas desde o início? O conceito deste filme russo se filia às tramas sobre personagens presos num espaço único, precisando escapar a qualquer preço (vide os bons O Bar, 2017, Águas Rasas, 2016, Enterrado Vivo, 2010 e Mar Aberto, 2003).
No entanto, Pânico nas Alturas (2019) sabota seu forte potencial. O primeiro elemento prejudicial se encontra no roteiro, que não apresenta os personagens antes de colocá-los em risco. Eles se tornam estereótipos grosseiros da menina bela e cobiçada por todos, do namorado gentil, do amigo impertinente, da colega histérica etc. Ao invés de aumentar a tensão pelas privações inerentes ao contexto – falta de água e comida, medo, frio intenso –, introduz no pequeno bonde uma fartura inverossímil de elementos. Os amigos possuem água, champanhe, salgadinhos, comidas, sinalizadores, paraquedas, cordas, pedaços de ferro, isqueiros, facas afiadas, papel e palha para queimar, casacos quentes etc. Qualquer herói de ação convencional sairia desta situação em poucos minutos, a tempo de reduzir o dilema a um curta-metragem. Resta saber por que razão os autores dessa história embutem tantos facilitadores para ignorá-los em seguida: o paraquedas permanece guardado mesmo quando necessitam dele, o isqueiro é preservado quando todos morrem de frio, a corda é ocultada pela personagem que a encontra. A narrativa incomoda por estar repleta de figuras estereotipadas tomando decisões pouco inteligentes.
Como os elementos naturais de tensão foram retirados de cena, o filme adiciona uma série de conflitos exteriores, uns mais artificiais do que os outros. Um acidente mortal na casa de controle das máquinas, o descaso de Kirill (Andrey Nazimov) pela namorada presa no bondinho, e especialmente a introdução de um vilão perverso aniquilam qualquer credibilidade restante na trama. Não por acaso, estes constituem os momentos mais precariamente filmados, iluminados e editados: a morte acidental se revela tão escura e mal ritmada que transparece problemas na edição, enquanto a montagem paralela entre o grupo em perigo e o namorado salvo insiste tanto na figura do rapaz apático que torna previsível o papel deste no resgate dos sobreviventes. Em paralelo, o enlouquecimento de um dos colegas, carregando facas e tentando derrubar os demais funciona enquanto frágil referência a O Iluminado (1980) – a estação de esqui é batizada de Overlook, como o hotel de Stephen King. A presença de quatro roteiristas numa trama tão mal costurada desperta a impressão de um projeto de longa gestação, tendo passado de mãos em mãos, cada uma oferecendo mudanças radicais até o resultado se assemelhar a uma colagem pouco coerente da ideia inicial.
Além disso, Sahakyan oferece a si mesmo um desafio considerável em termos estéticos e de produção. Em se tratando de um filme quase inteiramente elaborado em chroma key, ou seja, com paisagens digitais projetadas no horizonte, esperava-se que os efeitos visuais fossem competentes a ponto de sustentar uma trama inteira situada diante de montanhas nevadas. Ora, a artificialidade das projeções incomoda, sobretudo nos trechos em que Katya (Irina Antonenko) e os amigos ocupam a parte externa do bonde. O espaço reduzido exigiria um dinamismo ímpar para evitar repetições e sugerir realismo, mas o diretor trata o bonde como uma sala confortável, de dimensões exageradas, comportando acessórios secretos em cada canto. Para facilitar a vida do cineasta, o diretor de fotografia Sergey Dyshuk apela para longas noites azuladas, enquanto a montagem introduz fades extensos, onde aparentemente se deveria inserir algum intervalo comercial. O universo em torno do qual o dilema dos colegas se desenvolve possui a aparência de um estúdio. Talvez fosse mais proveitoso escancarar o caráter teatral do dispositivo ao invés de tentar convencer o público a partir de recursos tão limitados.
Como se estas falhas não fossem comprometedoras o bastante, Pânico nas Alturas sofre com as atuações pouco desenvoltas de todo o elenco – o suposto sofrimento de Antonenko com as mãos queimadas beira o risível – e com o tratamento tragicômico de símbolos, a exemplo do Smiley desenhado no vidro enfumaçado, a frase “Tenha uma boa viagem” escrita no bonde, e as canções tristes sobre ruptura amorosa com letras “Eu acho que terminou / Eu sempre pensarei em você”, para reforçar os laços românticos entre Katya e Kirill. Ao final, a narrativa encontra espaço para um discurso antiaborto, quando a mulher prestes a interromper a gravidez descobre que ama o bebê e o namorado após o incidente traumático. Ao invés de descrever a tensão do possível resgate – por falta de recursos, talvez? – ou acenar ao futuro de seus personagens, Sahakyan prefere concluir o trauma com a mensagem moralista sobre a importância da família em primeiro lugar. Para muitas pessoas, a proximidade com a morte produz uma valorização da vida, do instante, de si mesmo. Neste suspense, a tragédia gera uma vontade súbita de casar e ter filhos.
Últimos artigos deBruno Carmelo (Ver Tudo)
- O Dia da Posse - 31 de outubro de 2024
- Trabalhadoras - 15 de agosto de 2024
- Filho de Boi - 1 de agosto de 2024
Que filme podre, a história é até interessante, mas os personagens são um bando de c****, os efeitos horríveis e o gordinho pqp.
Excelente crítica.