Crítica
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Crítica
O que fazer quando um projeto não tem mais o seu protagonista? Há dois caminhos mais evidentes: ou substituí-lo de imediato, ou povoar a trama com tantas distrações e torcer para que o espectador não perceba o elefante no meio da sala. Os realizadores de Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, ao invés de optarem pelo mais fácil, trataram de percorrer a segunda via, pegando tantos atalhos e histórias paralelas que não é de se impressionar o sentimento de confusão ao final de sua jornada. Havia uma missão clara a ser superada: a perda do ator Chadwick Boseman, falecido em 2020 vítima de um câncer. Isso não significa, no entanto, que o personagem que interpretava – o rei T’Challa, também conhecido como Pantera Negra – também precisasse morrer. Outros atores já foram trocados no Universo Cinematográfico Marvel (Hulk começou com Edward Norton e hoje é o Mark Ruffalo, o Máquina de Combate foi antes o Terrence Howard, agora está com o Don Cheadle), e por motivos bem menos drásticos. Na hesitação entre homenagear o astro falecido e dar a devida atenção ao tecido dramático na ficção, optou-se por uma trilha intermediária. E, assim, vê-se um resultado que cumpre a honraria a que se propõe, ao mesmo tempo em que se mostra indeciso sobre qual destino tomar a seguir.
Da mesma forma como Ryan Coogler, diretor e roteirista deste e também do longa anterior (Pantera Negra, 2018), trata de se direcionar rapidamente aos assuntos mais urgentes – a morte do personagem-título e a introdução do aguardado Príncipe Namor – também se enrola para dar conta do que, de fato, importa. Afinal, se rei morto, rei posto, uma vez que T’Challa não está mais presente, quem irá assumir o manto do grande defensor de Wakanda? Candidatos não faltam: Shuri (Letitia Wright), irmã do antigo monarca e herdeira legítima da máscara, parece ser a escolha lógica, mas há outros na disputa, como Okoye (Danai Gurira), chefe da guarda imperial, M’Baku (Winston Duke), líder da tribo dos Gorilas, e até mesmo a espiã Nakia (Lupita Nyong’o). Porém, ao invés de tratar da questão com o peso e a propriedade que merece, o enredo elaborado com a colaboração de Joe Robert Cole (indicado ao Emmy por American Crime Story: The People v. O.J. Simpson, 2016) se ocupa com participações especiais (Michaela Coel, Lake Bell) e introduções de personagens novos que agradam aos fãs, mas pouco agregam a esta história em específico (a condessa Valentina Allegra de Fontaine de Julia Louis-Dreyfus, a estudante Riri Williams vivida por Dominique Thorne, de Judas e o Messias Negro, 2021).
Com tantos elementos em cena, percebe-se uma evidente dificuldade em se apropriar do tema a ser desenvolvido: a postura independente de Wakanda e a posição que seu governo ocupa no cenário mundial. A rainha Ramonda (Angela Bassett, com a majestade que tal figura necessita, além de uma energia que vai além de uma demanda casual) segue defendendo o valor de sua nação frente a colegas internacionais, ao mesmo tempo em que não abre mão em preservar consigo seu maior bem: o vibranium, metal de múltiplas utilidades que existe apenas no seu território. Os Estados Unidos, insatisfeitos com a recusa do país africano em compartilhar suas reservas, trata de procurar pelo minério em outros lugares – afinal, se é impossível encontrá-lo em terra firme, nada foi dito a respeito dos oceanos de norte a sul. Pois será nessa busca aquática que acabarão se deparando com o reino de Talokan (deixando a Atlântida das histórias em quadrinhos para trás) e seus irascíveis guerreiros, comandados por K’uk’ulkan, também conhecido por Namor (Tenoch Huerta Mejía, de Uma Noite de Crime: A Fronteira, 2021). Esse, para proteger os seus, é categórico: está disposto a ir contra tudo e todos. Inclusive declarando guerra aos wakandeanos, caso esses não se coloquem ao seu lado nesse futuro conflito contra “o povo da superfície”.
A maior questão a ser trabalhada em Pantera Negra: Wakanda Para Sempre parte do próprio título: se por um lado demora-se além da conta até que, enfim, um novo Pantera Negra seja apresentado (e, enfim, surge apenas duas horas após o início do filme, que ao todo tem mais de 180 min de duração) – e, quando acontece, é mais pela conjuntura dos eventos do que resultado de um processo natural de conscientização e chamado – também pouca atenção se dá à continuidade de Wakanda enquanto estado – e fenômeno cultural. Afinal, uma vez posto que o objeto que possuem, cobiçado por tantos, não será compartilhado, esses outros tratam de desviar suas atenções para outras paragens. O embate, portanto, é entre os EUA e Talokan, sem que os primeiros, de fato, tenham sequer ciência da existência dos segundos. Wakanda só deu o azar de estar no meio dessa disputa. Bastaria a Namor defender o que é seu, e pronto. Qual a necessidade, portanto, de partir para o confronto justamente contra o único povo também em posse da mesma benesse? Assistir ao enfrentamento de wakandeanos e talokeanos é não apenas decepcionante, como manipulativo. Afinal, são dois povos oprimidos – num espectro extra-fílmico, trata-se de latinos contra africanos – matando uns aos outros, enquanto que os exploradores (norte-americanos) se mantém à uma distância segura, esperando pela primeira baixa para recolher os restos da batalha, como hienas aproveitadoras.
Enquanto entretenimento – importante não esquecer que, afinal, trata-se de um longa de super-heróis baseado em personagens de gibis – Pantera Negra: Wakanda Para Sempre é um deslumbre aos olhos, desde as cenas de ação (Namor demonstra uma força que merece ser melhor aproveitada no futuro), como também pela composição de novos cenários (o mundo subaquático de Talokan é deslumbrante). No entanto, os próprios pontos apontados nesse parágrafo tornam evidente o que o conjunto tem de melhor: os recém-chegados do fundo do mar, e não as intrigas palacianas em um reino no coração da África, o que seria o esperado. Tanto Bassett quanto Nyong’o poderiam ter sido melhor exploradas, Wright não possui carisma suficiente para levar adiante um manto que lhe cai de modo desconfortável, e no final há tantas pontas soltas – qual o futuro de Okoye? O que pretende M’Baku? O que Martin Freeman está fazendo no meio de tudo isso? – que o certo, mesmo, é que apenas um dos intentos originais foi alcançado. Boseman se foi, e o pesar por esta partida inesperada é sentida do início ao fim. Porém, não de um modo que leve o todo adiante, como se viu em Velozes e Furiosos 7 (2015), por exemplo. Pelo contrário, se fez tal como uma âncora, impedindo tal avanço. E como se viu, é bom não brincar com o que vem das profundezas.
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