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Sinopse

Mostra a realidade da vida dos caminhoneiros que passam a maior parte de suas vidas nas estradas brasileiras. A partir de entrevistas, traz relatos emocionantes sobre o cotidiano vivido por esses profissionais nos quilômetros percorridos nas rodovias. Ao mesmo tempo, vemos refletida nas histórias, a diversidade do país e a paixão que os caminhoneiros tem pelas estradas.

Crítica

O caminhoneiro é uma engrenagem fundamental do mecanismo que movimenta a economia brasileira. Ressoando o título de um famoso poema de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, o diretor e roteirista Guilherme Azevedo peregrina pelas estradas de diversos estados do país, de carona na boleia do caminhão de Jorge Lisboa, profissional então transformado numa espécie de mestre de cerimônias por, além de oferecer a própria história como exemplo, servir de interlocutor com seus pares, nas instâncias comuns aos que fazem do trânsito o modo de vida. É visível o esforço para abordar múltiplos assuntos num curto espaço de tempo, sem reconhecível propensão à investigação demorada de algo específico. Mas, há habilidade suficiente para não transformar Para Além da Curva da Estrada num mero relato desinteressado, pelo contrário, porque ele consegue nos aproximar da rotina difícil de homens e mulheres que atravessam o Brasil carregando e descarregando bens.

Um dos grandes acertos do filme é saber aproveitar-se da simpatia e eloquência de Jorge Lisboa, sujeito que exibe um conhecimento amplo das paisagens, tanto as literais quanto as metafóricas. Pois, Para Além da Curva da Estrada não se restringe a uma sucessão de constatações dos problemas enfrentados estrada afora, investindo, com semelhante afinco, na perscrutação cuidadosa de uma geografia sentimental, permitida pelas falas colhidas ao longo do trajeto. Assim, em meio às interações de Jorge com os chamados “irmãos”, vai se concebendo um mosaico relativamente amplo do perfil dos caminhoneiros. Somam-se, então, aos depoimentos do, digamos assim, protagonista, os dos colegas que prioritariamente exaltam o amor pelas rodovias, o efeito viciante de explorá-las e, de certa maneira, de conectar-se com elas para celebrar a liberdade. Os discursos são, muitas vezes, complementares, mérito da montagem que encadeia expressivamente as similaridades vistas.

Com uma vocação flagrante à informação, Para Além da Curva da Estrada, acaba não elegendo um centro nervoso a partir do qual se desenvolver mais profundamente. Todavia, o ímpeto pela abrangência não chega a comprometer o resultado. Nesse percurso apressado, que de toda forma espelha um pouco o cotidiano acelerado dos caminheiros, sobressaem os relatos de experiências curiosas ao longo de anos de profissão, bem como a impressionante recorrência de uma “hereditariedade” que leva filhos a seguirem os passos dos pais, perpetuando a tradição dos estradeiros. Aliás, há o registro de famílias viajando juntas, fazendo da boleia sua verdadeira residência. Outro ponto ressaltado é a precariedade das condições de trabalho, seja por conta de estradas em péssimo estado de conservação, da burocracia desproporcional dos postos de fiscalização ou mesmo das dificuldades para arranjar cargas em tempos de crise. No geral, tem-se um painel desiludido de um país descuidado.

Embora não se proponha, tampouco, a investigar o impacto da atividade dos caminhoneiros na economia de uma nação produtiva como a nossa, Para Além da Curva da Estrada dá pistas suficientes para que consigamos entender esse valor. Guilherme Azevedo demonstra curiosidade pelos cenários, valendo-se de drones para tomadas aéreas que deflagram a beleza, recurso narrativo utilizado como instância de transição. O mais importante, porém, advém das conversas, da integração entre companheiros de labuta. Há espaço, também, ainda que bastante tímido, à participação da mulher nesse meio praticamente dominado por homens. O cineasta não se atém a determinadas polêmicas, como a abundante prostituição à beira da estrada, se contentando, apenas, com o breve relance de corpos na penumbra e um testemunho ilustrativo sem relevância. O saldo, no entanto, é positivo, pois no filme está devidamente dimensionado o dia a dia de profissionais que fazem da itinerância o seu viver.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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