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Crítica


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Sinopse

Durante uma festa, duas jovens flertam e acabam transando. Mas, elas não sabiam que alguém as observava.

Crítica

Em Para Colorir, tudo começa numa festa. A escuridão do cenário nos permite enxergar apenas vultos, entender a circunstância somente por gestos como erguer copos de bebida ou inalar drogas recreativas. O clima de hedonismo é adiante corroborado pelo envolvimento físico entre as personagens (sem nome) vividas por Marina de Moraes e Raissa Martinez. A textura da imagem inaugural lembra a do VHS, o que leva a crer que, de cara, estamos vendo o que alguém registrou em meio à celebração. A cineasta Juliana Costa sobrepõe uma voz feminina (Lorena Martins) lendo versos que, associados aos fragmentos físicos, intensificam essa verdadeira ode aos prazeres da carne. Seios, pernas, pelos pubianos e a vagina revelando-se como se uma flor desabrochando. É evidente a vontade de criar um mosaico com os vislumbres reverentes ao corpo da mulher (feminilidade) quebrando a expectativa fomentada ao longo dos séculos da disponibilidade dele ao prazer do homem. Esse despudor não busca fisgar o querer de outrem, mas também não refuta a sensualidade latente.

Para Colorir logo desloca a ação para uma floresta. Depois de deixar um cão para trás, numa cena alongada em câmera lenta que pouco acrescenta à atmosfera conseguida até ali, as personagens fazem sexo num rio. Os poemas eventualmente retornam para emoldurar as carícias, o testemunho de um tesão usufruído longe de qualquer convenção social. Isoladas na natureza, as duas se sorvem e gozam intensamente. A cineasta Juliana Costa faz questão de continuar as fragmentando. Embora pontualmente tenhamos o respiro de um plano aberto, geralmente é essa partição que aparentemente importa à realizadora. O detalhe no encontro das vulvas – tomada reincidente, aliás – pretensamente pode simbolizar a comunhão por meio desse sexo livre. Entretanto, ainda que evidentemente a atmosfera seja prevalente a qualquer ideia e/ou mensagem, o filme não é nutrido de elementos para evitar uma sensação, não de gratuidade, mas de repetição pura e simples.

É um aceno surrealista a presença de câmeras como observadoras do ato sexual. Em vez da indignação por serem flagradas sem autorização, as amantes demonstram excitação pela novidade e convidam o dispositivo a fazer parte da dinâmica. O que permanece inespecífico, mas também não subentendido e/ou delineado sensorialmente ao ponto de prescindirmos dos porquês, é a qual lógica a agregação diz respeito. Frequentemente, a leitura dos poemas (que pode ser compreendida como narração indireta) vira um ruído diante do fluxo construído pelas imagens e pelo som. Juliana Costa evidentemente está interessada naquilo que as palavras não expressam, no poder que o cinema tem, na capacidade audiovisual de conjurar sensações e transmiti-las. Sendo assim, soa ainda mais estranha a dureza da fala, o lirismo encaixado meio a fórceps na proposta avessa à linearidade e a uma lógica cartesiana. Há terreno mais às perguntas que às respostas.

Para Colorir não se filia ao cinema explicativo, àquele que lança uma pergunta/dúvida ou mesmo coloca personagens em crise para, no desenvolvimento, oferecer respostas, redenções ou clímaces. Se trata de um desenho bastante específico, circunstancial, da existência de duas jovens que decidem dar vasão ao desejo nutrido uma pela outra. Assim, os recortes iniciais (com iluminação controlada e enquadramento rigoroso) oferecem um contraponto simplesmente ilustrativo que encontra simetrias insuspeitas nos poemas, isso do ponto de vista funcional. Juliana Costa sai-se melhor quando não se deixa guiar pela preocupação em esclarecer, vide o registro sensível do ato sexual a partir de uma perspectiva que mantém o erotismo, sem para isso objetificar os corpos e entrega-los ao mero fetichismo. Já a brincadeira com a câmera e as camadas possibilitadas pelo dispositivo diegético parecem fruto de um fetiche cinematográfico tortuoso. De bom, a alusão à força da natureza personificada pelas protagonistas que não têm pudor de mostrar-se desejantes.

 

Filme assistido online no 14º Cine Esquema Novo, em abril de 2021.

 

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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