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Crítica
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Sinopse
Para Lota se passa nos anos 1960, no Rio de Janeiro, quando a arquiteta Lota Macedo Soares é convidada por Carlos Lacerda, seu amigo e governador do estado da Guanabara, a criar um parque onde havia sido feito um aterro de sete quilômetros de extensão. O Parque do Flamengo viria a se tornar o segundo maior parque urbano do mundo. Documentário.
Crítica
Bruno Safadi e Ricardo Pretti são amigos e parceiros profissionais de longa data. Juntos, realizaram a trilogia Operação Sonia Silk (Safadi comandou O Uivo da Gaita, 2013, Pretti assinou O Rio nos Pertence, 2013, e em conjunto foram responsáveis por O Fim de uma Era, 2014). Ao lado dos dois estiveram, nestes três filmes, também as atrizes Mariana Ximenes e Leandra Leal, que revezavam o protagonismo das histórias. Pois bem, o quarteto está mais uma vez reunido em Para Lota. Porém, se o espírito inquieto e provocador de uma década atrás permanece, é de se atestar também a vontade que esse novo filme tem em se comunicar por meio de suas entranhas e fissuras, mesmo que essas nem sempre se manifestem de modo claro ou transparente. Eis aqui um longa baseado no texto e na imagem, por mais que essas destoem em concordância ou mesmo sintonia. São vozes de um passado até nem tão distante, por vezes até mesmo presente, aliadas a visões de um hoje que tanto anseia por ser amanhã, como reluta em se desfazer do ontem. O embate de todas essas correntes promove um discurso tão simples, quanto transformador.
Maria Carlota Costallat de Macedo Soares. O nome é comprido, e pode parecer estranho à maioria dos brasileiros. Mas não tanto aos cariocas. Aqueles nascidos e criados na cidade que já foi capital federal, perdeu esse posto, mas manteve o espírito de destino turístico internacional. Suas aspirações não se restringem a um apelo local, nem mesmo nacional. O que ali se faz, no mundo inteiro ecoa. Seus líderes e governantes assim bem sabem. Da mesma forma como os que por ali transitam. Como essa mulher de batismo pomposo e imponente, mas que entrou para história por meio de um apelido bem mais discreto e acessível. Ela foi Lota. Arquiteta e urbanista, transitou pelos hemisférios Norte e Sul com a mesma desenvoltura, e pelos mais diversos ciclos deixou sua impressão. Num mundo no qual as relações líquidas ainda não eram uma realidade, a comunicação entre as partes era não apenas sólida, mas permanente, repleta de preâmbulos, formalidades e protocolos. A missiva de um para outro dizia tanto no que nela estava impresso, como também no tanto que deixava pelas entrelinhas. E disso Safadi e Pretti não se esquivam.
Para Lota é composto por cartas escritas por Lota em meio ao seu maior desafio profissional. No início dos anos 1960, foi convidada pelo então governador Carlos Lacerda para integrar a equipe do seu governo, tendo como principal missão a criação Parque do Flamengo, em local recém aterrado que exigia atenção para que sua função não fosse distorcida pela população. Os cineastas evitam a recriação didática dos eventos que levaram a esse episódio em particular. Não há cenários elaborados especialmente para a ocasião, muito menos figurinos ou iluminações pensadas para gerar na audiência um sentido de transposição. O caminho seguido é outro. O foco está no objeto em discussão. Ao longo de muitos quilômetros, a câmera dos diretores vai percorrendo os limites dessa geografia, porém eximindo-se de explorá-la. É quase como se houvesse o temor de assumir tal risco. Permeia-se a margem, mas por estes limites não se atravessa. A opção por um trânsito noturno, repleto de sombras e pontos cegos, fortalece tal impressão: aquilo pelo que tanto se lutou ali está, então, por um lado, sabe-se que tais esforços tiveram sua valia. Mas seria essa concretude tal qual fora imaginada? Eis o mistério.
Neste embate no qual o espectador é convidado a mergulhar, ouve-se apenas a voz de Lota, aqui interpretada vocalmente por Leandra Leal, por meio da leitura de muitas das comunicações endereçadas por Lota àquele que a teria destinado tamanha tarefa. Se no começo a euforia e a excitação por antecipar tudo aquilo que poderia ser realizado toma conta da mulher com o sonho e os meios de torná-lo real nas mãos, aos poucos essa fantasia começa a esmorecer. Lota era acostumada com a sofisticação e com a intelectualidade. Ao ser chamada por Lacerda, desconhecia – ou simplesmente ignorava – quem estava, de fato, por detrás do convite: um político. E, portanto, sujeito a um sem número de mandos e desmandos, interferências de múltiplas ordens, além do simples querer e executar. Ao se ver perdida em meio a um jogo do qual nem sequer imaginava as regras, vai revelando insatisfação e desespero, recorrendo a nomes e amparos que possam lhe oferecer qualquer tipo de ajuda ou conselho. A ida a um calvário bastante particular é reflexo de um país repleto de oportunidades, mas que delas vai abrindo mão uma após a outra.
Para Lota, assim como o nome adianta, é tanto para ela, como também sobre ela. Se é a mulher que ouvimos na maior parte do tempo, quem a ela irá se dirigir para que o batismo se justifique? Eis, portanto, o testemunho do tempo. Sua obra está viva, e se não do jeito que fora concebido, ao menos uma forma encontrou para se tornar real. Enquanto isso, Safadi e Pretti se revelam certeiros com o pouco que exibem, permitindo que as reflexões possíveis a partir do mínimo que elaboram e oferecem luz cumpram sua parte, indo além da mera observação para dessa exigir um fruto sólido e passível de profundidade. Bruno Barreto propôs tintas e contornos para a triste trajetória de Lota em Flores Raras (2013). O que dessa vez acontece é não um olhar na mulher, mas nas motivações, temores e frustrações que a guiaram enquanto profissional e membro de uma elite que até pode ansiar pelo melhor, mas na maior parte das vezes se mostra tão distante do viável que a ela só resta a extinção. Mudar para sobreviver, é a lição de muitos. Talvez não a de Lota, mas essa parece ser uma discussão para um outro momento.
Filme visto durante a 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2025
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