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Sinopse

Pai viúvo de um menino doce e tímido, Fernando passa as noites lembrando a sua falecida esposa, enquanto durante o dia tenta lidar com sua relação com o filho. Até que um dia encontra uma fita VHS que vai mudar a forma como enxergava a mãe do garoto.

Crítica

Esteta preocupado tanto com a forma quanto com o conteúdo, Aly Muritiba dá seu passo mais ousado até o momento com Para Minha Amada Morta, seu longa de estreia no formato ficcional. Realizador consagrado com diversos dos seus curtas anteriores – A Fábrica (2011) foi premiado em Brasília, Pátio (2013) concorreu em Cannes e Tarântula (2015) foi exibido em Veneza – teve sua primeira experiência em uma narrativa mais longa na co-direção de Circular (2011), realizado em parceria com Fábio Allon, Bruno de Oliveira, Adriano Esturilho e Diego Florentino. Agora, no entanto, assume sozinho o desafio, e consegue não apenas dar conta de um roteiro muito bem amarrado, como também se revela um hábil diretor de atores, aqui envoltos em uma trama de bastante entrega e imersos em um clima imprescindível à história a ser contada.

Aos poucos somos convidados a conhecer o mundo de Nando. Pai de um menino, estão sozinhos numa casa não muito grande, mas talvez imensa para eles. Leva seus dias arrumando vestidos, sapatos, revirando caixas e organizando armários. A esposa e mãe está morta, logo percebemos. Não há necessidade de saber quando, nem como, ela se foi. O que importa, agora, é como essa dupla seguirá em frente. E entre os pertences daquela que não mais está ali, encontram-se antigas fitas VHS. Recordações da infância, uma peça teatral na escola, uma apresentação de balé. Até se deparar com uma mais recente, ainda na filmadora. Com ela, uma revelação: a mulher, num quarto simples – provavelmente um hotel de ocasião? – acompanhada por outro homem. Ambos desnudos, na cama, registrando suas estripulias sexuais. Entre os dizeres, declarações de amor, “você foi a melhor coisa que me aconteceu”, gemidos de gozo. E assim, com um clique de um botão, o mundo de Nando desaba.

A ideia que passa pela cabeça de todos na audiência é a de vingança. Fotógrafo policial, nosso protagonista está acostumado a um cotidiano de barbáries, assassinatos, brutalidades. Com o registro em vídeo, descobre que o desconhecido com sua mulher é um ex-presidiário. Levanta a ficha do cara, e parte no seu encalço. Antes fecha a casa, entrega o filho para a cunhada e coloca sua vida de lado. Tem apenas um objetivo agora. Missão que é executava com paciência e método. O amante mora no subúrbio com a família, é crente e tem um quartinho nos fundos do quintal para alugar – onde Nando acaba indo parar, sob a desculpa de partilhar da mesma fé e precisar de pouso enquanto a esposa doente se recupera no hospital. Mas aos poucos suas cores vão sendo reveladas. Primeiro se aproxima da filha adolescente, que lhe rouba um cigarro, pede fotos “artísticas”, e até um flerte inconsequente se estabelece. Nada como a intimidade que aos poucos vai conquistando com a companheira do outro, mulher bonita, sofrida e calada, que com sua gentileza e simpatia aos poucos conquista, mas sem arrebatamentos. E por fim o próprio dono da casa, que sente que há algo de estranho, sem, no entanto, conseguir precisar o que, exatamente, está lhe incomodando.

Muritiba é eficiente em criar momentos de alta tensão sem, no entanto, resvalar no óbvio. É o menino que brinca com uma arma de fogo enquanto o pai está caído no sofá adormecido, o acuado que corta uma laranja com uma faca afiada e com o caçula do oponente no colo, os dois homens em cima do telhado, um de costas para o outro, mas esse com a mão no ombro daquele, prestes a um empurrão que nunca chega a acontecer. O que Nando quer ali, ao se infiltrar naquela família? Descobrir o por quê de tudo que lhe aconteceu? Desvendar, talvez, quem era a mulher que acreditava conhecer? O que aquele bronco tão diferente dele poderia ter de melhor? É uma competição machista ou apenas uma curiosidade mórbida? Procurar e destruir, como numa novela banal, ou deixar uma marca mais profunda, indelével e resistente? Ao se conectar com cada um daqueles estranhos uma forma distinta, não estará ele também encerrando, enfim, um ciclo de sua vida e se preparando para o seguinte?

Ainda que o suspense seja o tom assumido na condução de Para Minha Amada Morta, o filme não se contenta em apenas transitar pelos elementos mais comuns ao gênero. Aly Muritiba, em uma demonstração de grande maturidade, consegue dotar sua narrativa de um viés mais adulto, identificando os clichês e deles se aproximando, apenas para negá-los, como se não mais os precisasse. Fernando Alves Pinto, em atuação arrebatadora, é fundamental na construção deste protagonista, um tipo soturno, mas que diz tanto com seu silencio a ponto de se tornar perturbador para aqueles que de suas intenções compartilham – nós do lado de cá da tela, portanto. E depois de passar por todas as etapas de sua própria dor, quando descobre que também outros precisam de um encerramento tanto quanto ele mesmo, consegue levantar a cabeça e seguir em frente, não sem antes ser justo com quem merece. Assim, de mente livre e corpo lavado, pode dar o próximo passo. Consigo e com os seus.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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