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Crítica

Não são poucos os que entendem Para Não Falar de Todas essas Mulheres (1964) como uma insípida realização de Ingmar Bergman. O diretor sueco, mais conhecido por dramas repletos de símbolos profundos, questões humanas e religiosas, neste filme se vale de numa rara chave de humor. Por exemplo, após a sequência envolvendo fogos de artifício, chega a acrescentar um letreiro que diz: “não há simbolismo algum nesta cena”. Não é surpresa, portanto, que tantos críticos e admiradores da sétima arte rejeitem o longa-metragem. Escrito pelo próprio Bergman, o roteiro alfineta a profissão de crítico, fazendo uma caricatura que, contudo, não torna o personagem de Jarl Kulle (o crítico) menos eficiente, assim como o filme que ele protagoniza.

Após um funeral atípico, em que diversas “viúvas” despedem-se do famoso violoncelista Félix, conhecido como “O Maestro”, a trama volta quatro dias no tempo, bem quando o crítico musical Cornelius (Kulle) chegou à mansão do artista para escrever sua biografia. Não tarda, ele descobre que todas as muitas mulheres que ali moram são, de uma forma ou de outra, amantes do músico. Encantadas por sua aparentemente perfeita execução instrumental, Hulman (Bibi Andersson), Isolde (Harriet Andersson), Adelaide (Eva Dahlbeck), Madame Tussaud (Karin Kavli), Traviata (Gertrud Fridh), Cecilia (Mona Malm) e Beatrica (Barbro Hiort af Ornäs) vivem em torno do tal Maestro. Algumas protagonizam crises repetidas de ciúme, enquanto outras demonstram costume com a situação. A tarefa de Cornelius é bastante complicada, uma vez que ele nunca consegue acesso ao objeto sempre ocupado de sua escrita.

Pode parecer estranho, a princípio, que as mulheres em Para Não Falar de Todas essas Mulheres sejam retratadas por Bergman como simples objetos. O realizador reforça propositalmente essa ideia ao distribuir no cenário diversas estátuas de figuras femininas em belas poses. Parte de ambientes abertos e marmóreos, elas remetem à visão que o músico tem de suas amantes: idealizações belas, porém, frias e duras. Mas, aos poucos, o diretor demonstra que cabe às mulheres o controle do lugar e, portanto, essa superficial ideia de perfeição feminina imposta pelo design de produção se reverte. Na verdade, a casa é como um templo que acolhe o homem, ele, por sua vez, o real submisso às vontades femininas. Elas é que estão no comando.

A estabilidade narrativa conquistada por Bergman na sua formação teatral transparece nos planos em que a câmera oferece ângulo similar ao de um espectador sentado à beira do palco. O mesmo se vê na demora dos posicionamentos, no entrar e sair dos personagens de quadro, em táticas bem-humoradas. O talento cômico corporal de Jarl Kulle – destaque absoluto, uma vez que, diante da curta duração do filme, os demais personagens acabam pouco aprofundados – completa a comicidade da narrativa com suas recorrentes gags. Enquanto isso, as mulheres do título, embora possuam personalidades distintas, são tratadas na maior parte do tempo apenas em conjunto. Uma delas, inclusive, é apelidada de “Abelhona”.

E, se o cineasta/autor constrói Cornelius como um ser afetado e orgulhoso, atingindo os críticos que na época tanto dilaceravam seu trabalho, não deixa tampouco de conceber o artista como um ser pouco menos que repugnante; cruel, egocêntrico e superficial. Bergman nem mesmo chega a revelar o rosto de Félix, para que não haja identificação taxativa e para que sua construção se dê em grande parte na imaginação do espectador. Para Não Falar de Todas essas Mulheres é, de fato, uma realização menor daquele que é um dos mais reconhecidos cineastas de sua geração.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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