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Sinopse

Mizuki já se conformava com o afogamento do marido, Yusuke, há três anos, quando ele volta para casa. Não muito surpresa, ela questiona mais o tempo decorrido entre o incidente e o retorno do que necessariamente esse "milagre".

Crítica

Um dos motivos que fazem o nome de Kiyoshi Kurosawa figurar entre os mais cultuados do cinema japonês da atualidade é o domínio que o cineasta possui dos signos dos mais diversos gêneros, bem como sua habilidade de mesclar estes elementos em boa parte de seus trabalhos. E é exatamente desta mistura que surge o fascínio exercido por seu mais recente longa.  Baseada em um livro de grande sucesso do escritor Kazumi Yumoto, a trama de Para o Outro Lado acompanha Mizuki (a bela Eri Fukatsu), uma professora de piano que vê sua melancólica rotina mudar quando seu marido, Yusuke (Tadanobu Asano), morto há três anos, retorna repentinamente para casa, convidando-a para acompanhá-lo em uma viagem.

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Kurosawa apresenta esta jornada de superação do luto em chave fantástica, unindo vestígios de melodrama familiar, como em seu Sonata de Tóquio (2008), ao universo sobrenatural de seus aclamados filmes de terror, como A Cura (1997) e Pulse (2001). Ainda que os fantasmas de Para o Outro Lado não provoquem o pavor, a experiência do cineasta em trabalhar com os arquétipos do horror favorece a criação da aura de mistério do longa. Basta pegar a primeira aparição de Yusuke, enquanto Mizuki prepara um dos pratos favoritos do marido, sequência exemplar na construção desta atmosfera enigmática. Nesta sofisticada mise en scène, os planos cuidadosamente elaborados de Kurosawa parecem sempre ocultar algo, assim como o próprio personagem de Yusuke.

Misteriosas também são as regras deste mundo apresentado pelo cineasta, em que mortos e vivos dividem o mesmo espaço com extrema naturalidade. É fato que a cultura oriental possui uma relação com a morte bastante distinta da ocidental, mas, mesmo tendo ciência destas diferenças, os códigos próprios da trama muitas vezes deixam personagens, e espectadores, sem respostas conclusivas. É preciso aceitar o convite de Kurosawa, assim como Mizuki aceita o convite do marido, para poder embarcar em sua viagem através da dor da perda, e para aqueles que o fazem, a recompensa final faz valer todo o trajeto percorrido.

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Conforme o casal protagonista visita outros personagens que fizeram parte da vida de Yusuke, ambos passam a se conhecer mais profundamente, se comunicando de forma muito mais direta do que quando ele ainda estava vivo. Trata-se de uma jornada de auxílio, ao próximo e a si mesmo, em que todos deverão encerrar seus assuntos não resolvidos em vida para poderem aceitar a morte. Assim, os dois se encontram com figuras como o antigo dono de uma distribuidora de jornais, na qual Yusuke trabalhou, e que se culpa pela morte da esposa ou ainda a dona de um restaurante, que também foi patroa de Yusuke, e que perdeu a irmã mais nova quando criança. Ao ajudar estas pessoas a lidarem com o vazio deixado pela perda, Mizuki, aos poucos, também aprende a enfrentar a sua própria dor, fechando ciclos incompletos de sua existência, seja com os mortos (o encontro com o pai) ou com os vivos (o confronto com a amante de seu marido). Enquanto Yusuke também possui conflitos derivados de sua condição, especialmente por ser um suicida, e que deverá resolver.

Da representação do casal como uma espécie de anjos da guarda para os outros personagens, Kurosawa cria cenas visualmente deslumbrantes e de grande impacto emocional, como a da parede repleta de imagens de flores recortadas de jornais e revistas ou toda a sequência em que a irmã mais nova da dona do restaurante reaparece para tocar a sua música favorita ao piano. É bem verdade que o ritmo do longa oscila em determinadas passagens, e por vezes o diretor se excede na utilização da trilha sonora como elemento dramático, mas nada disso se sobrepõe à sutileza  que Kurosawa imprime aos momentos cruciais da trama, bem como às belas atuações de Fukatsu e Asano.

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Explorando também conceitos científicos, expostos por Yusuke nas aulas que ministra em uma pequena comunidade de agricultores, como o de que tudo no universo foi criado a partir do nada, o diretor justifica a ausência de explicações definitivas para a dinâmica de sua história, ampliando seu alcance e tornando-a ainda mais instigante. Pois Kurosawa pode não oferecer respostas fáceis, mas, através de sua fantasia, oferece a Mizuki, e ao público, o reconforto necessário para poder aceitar a realidade e seguir em frente.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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