float(7) float(2) float(3.5)

Crítica


7

Leitores


2 votos 7

Onde Assistir

Sinopse

Três mulheres com diferentes visões sobre a vida e o amor seguem juntas em uma viagem que parte da cidade rumo a um lugar onde a natureza bruta prevalece. Eva, mulher madura e pragmática, convida para a sua jornada a amiga Melina – mulher livre e sem compromissos – e Keithylennye, uma jovem ex-dançarina de tecnobrega. No caminho, os acontecimentos vividos separadamente pelas três revelam as incertezas e os diferentes sentidos daquela viagem para cada uma.

Crítica

Estamos demasiadamente acostumados aos filmes nos entregando suas coisas de bandeja, especialmente as produções feitas com ambições prioritariamente comerciais. Então, o salutar risco que Para Ter Onde Ir corre tem a ver com um ímpeto artístico, sem aparentes intenções de agradar o “mercado”, pois de andamento dependente da adesão do espectador à atmosfera proposta, bem mais que necessariamente à trajetória das pessoas em cena. Desde o princípio, sobressai a predileção da cineasta Jorane Castro por imagens visualmente poéticas, geralmente registros da natureza que emolduram o feminino, porém sem sufocar a introspecção que transparece enquanto a câmera se aproxima. Eva (Lorena Lobato) é uma mulher madura, de cartesianismo contrastante com a liberdade de Melina (Ane Oliveira) e a jovialidade de Keithylennye (Keila Gentil), colegas de viagem por paisagens paraenses. O destino importa menos que a estrada, o deslocamento é central, atendendo a uma convenção dos road movies.

A rarefação de informações ameaça constantemente Para Ter Onde Ir, mas também se apresenta como um dos atributos principais de sua narrativa propositalmente porosa. Eva interpela as demais mulheres como se as conhecesse, talvez de longa data, mas não são fornecidos sequer subsídios básicos para que entendamos o elo das três. Na medida em que se encaminham para um destino praieiro, elas deixam escapar pequenos indícios de suas subjetividades, relevando-se, assim, paulatinamente. Keithylennye, ex-dançarina de tecnobrega, é quem mais tem espaço para expor sua “história”, mencionando as dificuldades de criar a filha pequena sem a ajuda do pai DJ, cujo nomadismo está no âmago de sua profissão. A câmera de realizadora percorre os espaços como que para extrair deles a verdade, aproximando-se, assim, do realismo, mas, paralela e paradoxalmente criando dinâmicas inclinadas ao onírico, vide a articulação de imagens, sons e interpretações.

Subordinado à conexão do espectador, Para ter Onde Ir segue sem guiar-se por conflitos ou algo que os valha. Por vezes, Jorane exagera no caráter lacunar, não conseguindo atingir um resultado absolutamente expressivo. Em diversos momentos, prevalece a sensação de estagnação, como se a trama estivesse à deriva em águas calmas, sem finalidade aparente. Todavia, a cineasta se empenha evidentemente para manter o percurso instigante, independentemente do nível de pistas pelas quais se possa principiar a montagem do quebra-cabeça. Logo, porém, percebe-se vã a tentativa de entender contextos, já que a dimensão lírica sobrepuja as outras instâncias do discurso. A alternância das personagens no primeiro plano nos permite uma leitura metafórica, porque elas podem ser, perfeitamente, faces/fases de uma mesma mulher, sendo Melina a celebrada liberdade; Keithylennye o peso da responsabilidade precoce; e Eva a angústia por erros de outrora.

A despeito de problemas de execução e inconsistências, Para ter Onde Ir possui personalidade, exala a vontade de fugir ao mais do mesmo, discutindo feminilidade a partir de exemplos conjugados numa mesma viagem, sem recorrer a explicações, já que os fatos são suplementares frente à sensorialidade, aos detalhes, a gestos e/ou demonstrações das mais às menos involuntárias. Jorane Castro subaproveita a riqueza da cultura paraense, somente a acessando no show de tecnobrega que serve como catarse a Keithylennye. Embora haja, inclusive, desequilíbrio na atenção conferida às protagonistas, suas intimidades são suficientemente exploradas, no limiar do minimalismo, para que consigamos criar empatia por essas figuras de passado turvo e futuro incerto. De alguns instantes menos relevantes decorre um fastio perigoso, mas basta o espectador persistir para o tecido narrativo criativo e corajoso se desvelar como sustentáculo de uma obra singular.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *