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Crítica


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Sinopse

Em Passageiro 666, uma médica precisa superar seu medo de avião ao pegar um voo noturno em meio a uma tempestade. Durante a viagem, alguns passageiros morrem e ela passa a ter muita dificuldade de distinguir entre pesadelo e realidade.

Crítica

O título original deste filme russo que chegou ao Brasil diretamente em VoD se refere ao assento 19 de uma aeronave. Já a distribuidora brasileira optou por sugerir a existência de uma figura aterrorizante num voo – o tal 666 se refere ao número da besta. A trama é uma mistura meio esquisita entre um terror com bruxas lançadoras de feitiços e, talvez, algo de fundo psicológico. Pelo menos até que toda a verdade seja revelada. O começo nos mostra um avião despencando depois da explosão de um de seus motores. Apenas uma criança de sete anos sobrevive. Passados 20 anos, Katerina (Svetlana Ivanova) se tornou médica e aparentemente deixou para trás o medo de voar decorrente desse acidente na infância. Ela demonstra confiança quando abordada por uma equipe de reportagem – numa cena que existe apenas para o espectador ter acesso a essa “segurança” da personagem. Na companhia da filha, a protagonista embarca novamente, mas em direção à casa de seu pai. E essa espécie de prólogo alongado de Passageiro 666 contempla, ainda, a apresentação dos coadjuvantes que estarão na viagem: o bonitão solícito, o esquisito que vive desenhando, o engravatado irritadiço e o casal de idosos que está para visitar o neto. Além disso, o comportamento das aeromoças é incomum. Sintoma de algo?

Para começo de conversa, Passageiro 666 tem uma aura de apreensão convincente. Enquanto aguardam a decolagem, os passageiros são informados sobre a nevasca lá fora e é possível vislumbrar pelas janelas os equipamentos descongelando a fuselagem do avião. Portanto, antes que qualquer coisa sobrenatural surja no horizonte, a inquietude se instaura como fruto de uma situação plausível: a soma do passado traumático com as condições climáticas desfavoráveis para uma decolagem. A protagonista diz que está absolutamente tranquila, brinca com a filha, interage com o estranho na fileira ao lado e chega a ajudar uma passageira que tem crises de pânico. Até aí o panorama parece convincente. No entanto, é precisamente no desenvolvimento que a trama se perde por falta de habilidade para transitar entre a realidade, a imaginação e a existência a bordo de uma entidade maligna/perseguidora. O que temos é um acúmulo de eventos fatídicos que começam com o mal súbito que acomete fatalmente o homem idoso. Há algo de estranho nas reações das pessoas ao redor, mas não fica muito claro se isso é um indício dos problemas de encenação ou se essa falha pode sugerir uma ruptura no tecido da normalidade. O diretor Alexander Babaev se perde justamente nas ambiguidades.

Mesmo que consiga manter o interesse, sobretudo pela forma como trabalha a dúvida, Babaev erra na hora de estabelecer a confusão entre as possíveis camadas da narrativa. O que estamos vendo é fruto da imaginação de Katerina – alimentada pelo trauma, é bom enfatizar –, a observação literal do ataque de uma entidade agressiva ou o trânsito por uma construção fantasiosa de natureza ainda mais desconhecida? Passageiro 666 vai enfileirando eventos coincidentes demais, como as consecutivas mortes que acontecem quase como se fossem obra da brutalidade de um destino do qual não se pode escapar. Em certo momento, o filme parece um derivado da saga Premonição, vide a descrição visual de situações que desencadeiam pequenas tragédias – tipo o vazamento do líquido inflamável na parte superior da aeronave que, em contato com o gás escapado de um cilindro e um isqueiro aceso, leva a alguém sendo rapidamente incendiado. Além disso, outro personagem conta que escapou por pouco da morte, o que pode reafirmar a associação com a saga Premonição: será que todos ali estão em débito com a morte e por isso mesmo seriam fadados à aniquilação durante o famigerado voo? Enquanto há essa dúvida, persiste o interesse. Ainda que as circunstâncias sejam um tanto desajeitadas.

Mas, Passageiro 666 expõe suas fragilidades (de conceito e execução) quando é chegado o momento do clímax. À medida que se aproxima da verdade por trás desse movimento e barulho, o filme torna ainda menos instigante a convivência entre realidade, imaginação, fábula ou existência literal de uma criatura disposta a tudo para acabar com a protagonista. O caos que toma conta da aeronave nunca se transforma numa força mobilizadora. Desse modo, o espectador é levado a aguardar o desfecho e não continuar conjecturando sobre o que está acontecendo. Acresça a isso a utilização burocrática do espaço reduzido a fim de gerar angústia e temos um resultado que flerta com a originalidade, mas que acaba caindo de barriga no terror genérico. Nesse sentido, a gota d´água é a conveniência do famigerado “monólogo do vilão”, instante em que o malfeitor conta em detalhes tudo o que está verdadeiramente acontecendo, assim evitando a confusão do espectador. Portanto, primeiro há o investimento numa desordem meio hesitante entre os estados de percepção (ou seria da representação?) da realidade e depois alguém vem explicar tudo, tim tim por tim tim, para que nada fique pendente. A ideia do enredo é interessante, mas falta perícia na hora de embaralhar as dúvidas e as certezas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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