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Sinopse

Zoinhu, Linguinha, Mãodelo e Alãodelom são amigos desde a infância e se viram como podem, sobrevivendo de pequenos golpes. Mas para Zoinhu, isso não basta. Ele sabe que, todos os dias, ele e seus amigos arriscam serem presos por crimes pequenos. E se a vida está difícil agora, na cadeia tudo pode ficar muito pior. Até que surge a oportunidade de um golpe mais ousado que parece ser a chance de fazer uma grana boa.

Crítica

O começo de Passagrana é bem promissor. Nele temos a apresentação dos quatro protagonistas, os amigos de longa data Zoinhu (Wesley Guimarães), Linguinha (Juan Queiroz), Mãodelo (Elzio Vieira) e Alãodelom (Wenry Bueno). Jovens pobres que se viram como podem. Sua rotina de pequenos golpes na praça é apresentada por meio de uma montagem ágil que, sincronizada à trilha sonora no ritmo do funk, transmite bem a ideia de um dia a dia no qual a malandragem é uma atitude fundamental à sobrevivência do quarteto. Os rapazes estão sempre fugindo da polícia depois de distrair os transeuntes para deles roubar carteiras, relógios e outros pertences. Eles se mantêm de trambiques. Mas, infelizmente, não demora para os eventos começarem a se atropelar, criando assim a sensação de displicência na hora de apresentar, elaborar e encaminhar o desfecho dos assuntos. A transição dos pequenos golpes urbanos para a interceptação de dois caminhões abarrotados de eletrônicos contrabandeados é feita de maneira abrupta. Parece que falta um bom pedaço de história entre o cotidiano de furtos simples e essa operação bem mais sofisticada (na qual o diretor Ravel Cabral também pretende enfatizar a parceria dos quatro). Desse modo, meio aos solavancos, a trama progride até chegar à chantagem do policial-bandido interpretado por Caco Ciocler que leva os amigos a planejarem um audacioso assalto a banco.

Passagrana é um filme de ação, urbano, que às vezes almeja representar uma pulsação frenética das ruas, mas o faz sem atingir uma consistência no seu desenvolvimento. Tudo parece bastante jogado e gratuito a partir do momento em que testemunhamos o vilão aceitando um pagamento de R$ 500 mil para não cortar os quatro amigos em pedacinhos. Acostumados a ludibriar homens e mulheres de passagem na praça, ganhando uns trocos com o furto de bens pequenos, os protagonistas precisam tirar, não sabendo da onde, meio milhão de reais para não serem mortos. A ideia é roubar um banco, mas como não tem expertise para isso, Zoinhu ganha uma ideia ao se esconder dos perseguidores nos bastidores da peça de teatro: montar uma trupe de atores e sugerir a eles que encenem um assalto a banco, o mais verossímil possível. Claro, sem avisar aos artistas que eles estarão realmente surrupiando um montante enorme de um banco de verdade. A premissa é ótima, ainda mais levando em consideração a relação com os truques que Zoinhu faz com seus companheiros, baseados na habilidosa distração de algo importante. Portanto, é o diretor sugerindo que fiquemos espertos, pois o que parece importante pode estar encobrindo algo ainda mais relevante acontecendo em segundo plano. Pena que a execução disso seja tão esquemática, como dito anteriormente, com tudo sendo muito atropelado e elaborado à força.

Tudo bem que Zoinhu, Linguinha, Mãodelo e Alãodelom são malandros espertíssimos, mas é difícil de acreditar que eles conseguiriam montar um esquema daqueles no qual atores e atrizes caíssem tão facilmente. Aliás, em Passagrana o diretor parece contar com a nossa mais absoluta suspensão da descrença, pois passa por cima da coerência diversas vezes em prol da aventura ligeira sem muito compromisso, senão com a agilidade. Então, essa falsa estrutura audiovisual, o comportamento dos protagonistas diante dos intérpretes (como se tivessem muita experiência no ramo), os equipamentos e veículos utilizados no grande golpe, o dinheiro suficiente para simplesmente manter a mentira enquanto ela for conveniente, tudo isso fica meio no ar, sem qualquer explicação convincente. Parece que a Ravel basta mostrar que os amigos são malandros safos, daqueles que sempre dão um jeito para conseguir o que precisam, para o espectador acreditar piamente em todas as maiores proezas deles. Simples assim. Falando nos personagens principais, não há o desenvolvimento das personalidades deles, o que cria a incômoda sensação de que os quatro possuem comportamentos tão parecidos que se anulam. Quais as diferenças fundamentais entre Zoinhu, Linguinha, Mãodelo e Alãodelom? Basicamente, o corte de cabelo, o figurino e, muito de vezes em quando, algumas iniciativas e opiniões conflitantes. Nada mais.

Outro problema grande nessa aventura que vai ficando cada vez mais dispersiva é a indecisão entre se focar na construção do golpe mirabolante e na historieta do amor platônico entre Zoinho e Joana (Giovanna Grigio). Na verdade, seria mais preciso dizer “o interesse do rapaz pela jovem atriz que não sabe do golpe e embarca de cabeça na ideia do filme”. Ravel Cabral interrompe abruptamente o fluxo de uma coisa para se dedicar a outra, não conseguindo integrar o planejamento do assalto aos anseios românticos do rapaz que começa a se destacar. No fim das contas, quando encara o interesse romântico distrativo, o realizador se esquece momentaneamente do assalto e vice-versa, por mais que tente conectar as duas dimensões. Então, depois de sabotar o potencial da paixão e do golpe, o cineasta mostra a execução do plano sem muita criatividade, às vezes até involuntariamente chegando a confundir o espectador (não propositalmente com o intuito de desorientá-lo para tornar a experiência mais interessante). O resultado é um filme apressado para finalizar cada sequência, aparentemente ansioso para seguir adiante, meio sem a consciência de que está sabotando a trama como um todo. Então, o que poderia ser uma aventura urbana cheia de energia, se transforma numa jornada que evolui aos trancos e barrancos contando com a vista grossa e o ouvido de mercador dos espectadores.

Filme visto no 2º Bonito CineSur em julho de 2024.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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