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Crítica


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Sinopse

Na década de 1970, na Colômbia, uma família de nativos de Wayuu se encontra no coração da florescente venda de maconha para a juventude americana. Quando a honra da família tenta resistir à ganância humana, a guerra de clãs se torna inevitável e põe em perigo suas vidas ancestrais, cultura e tradições.

Crítica

Um filme sobre tradições vagarosa e violentamente obliteradas pela ganância. Pássaros de Verão remonta ao fim dos anos 60, início dos 70, na Colômbia, período que coincide com o início do narcotráfico no país. Tudo acontece no seio de uma tribo Wayuu, com as praxes locais devidamente valorizadas pelo olhar dos cineastas Ciro Guerra e Cristina Gallego, cuja apropriação de costumes e legados protagonistas se dá num processo etnográfico que amplia a abrangência da abordagem ficcional. A forma como eles sublinham canções, rituais, burocracias muito particulares estendidas por incontáveis gerações, tais como a dança que determina o destino conjunto de Rapayet (José Acosta) e Zaida (Natalia Reyes), é imprescindível à singularidade dessa narrativa que entrelaça a tradição latino-americana ligada aos povos da terra e os contornos de tragédia grega. O destino, as linhas escritas por antepassados, o desafio das heranças, tudo está nessa liga forte e incomum.

O desenho social é condicionado pela deflagração dos hábitos, vide os mensageiros que não podem ser tocados, sequer pela brutalidade dos homens. A palavra, assim, adquire um tom sagrado que a impermeabiliza, a protege da mesquinhez crescente. Os nativos começam a enriquecer ao vender maconha para compradores norte-americanos. Rapayet é um personagem trágico, condenado a pagar caríssimo por seus erros e maus julgamentos, instado pelos seus a livrar-se de alguém caro. Escolher entre a integridade da cultura e a fidelidade aos laços de amizade não é o maior dos castigos que o protagonista sofre ao longo de Pássaros de Verão. Os Wayuu respeitam a importância do matriarcado, vide a posição proeminente que Úrsula (Carmiña Martínez), a sogra constantemente em contato com os espíritos por meio de sonhos, desempenha nessa trama aberta ao entendimento da gênese do tráfico sem perder de vista o drama indígena.

Parece uma brincadeira irônica a fala abertamente destacada como prenúncio num diálogo entre Rapayet e de Moisés (Jhon Narváez) frente aos ganhos polpudos com a demanda estadunidense de maconha. “Viva o capitalismo”, diz um deles, efusivamente comemorando ao sabor do álcool igualmente incutido pelos estrangeiros nessa civilização que oscila entre o deserto e as matas fechadas. Pois são justamente as implicâncias desse sistema inclinado a perversamente criar abismos, a provocar dissensos e rachaduras nas relações micro e macroestruturais, que, a conta-gotas, se impõe no horizonte dos Wayuu como uma sombra que traz consigo mau agouro. Ciro Guerra e Cristina Gallego dividem o filme em cinco contos, capítulos de uma calamidade cada vez mais banhada em sangue, rivalidade e esquecimento de valores antes basilares. Sim, porque os homens e mulheres deixam crescer a nuvem espessa que advém dos canos dos revólveres, desprendida metaforicamente do tal capitalismo. Com isso, permitem que uma parte de si próprios morra.

Com uma belíssima fotografia de David Gallego, Pássaros de Verão apresenta uma narrativa fabular substanciada pelos códigos milenares de uma sociedade que sucumbe ao imperialismo mal disfarçado de oportunidade de (mercado) prosperidade. Os anciãos demonstram descontentamento com as relações comerciais inter-raciais, refutando até onde podem a influência que vem de fora do círculo Wayuu. Todavia, mesmo Úrsula, supostamente uma guardiã de integridade inabalável, se vê dobrando os joelhos e fazendo concessões em função de vinganças, proteção de rebentos instáveis e afins. Rapayet carrega incessantemente a tragédia a qual está fadado no semblante, sendo um sujeito embotado, talvez, pela consciência da obsolescência de sua gente diante de uma nova ordem mundial. O elenco, como um todo, está ótimo, também por conta da artesania diretiva que passa, portanto, não apenas pelo comovente cuidado com as minúcias indígenas, a constituição de uma atmosfera que flerta com o fantástico e a acuidade histórico-social.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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