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Crítica
Em tempos como o atual, no qual figuras públicas tomam à frente de uma suposta luta contra “a ameaça comunista”, algo tão anacrônico quanto falacioso, Pastor Cláudio cumpre, antes de qualquer coisa, uma função absolutamente importante. Longe do disse-me-disse, das fake news que embaralham cotidianamente a percepção da verdade, o documentário de Beth Formaggini traz à tona as memórias aterradoras de um dos agentes de campo mais influentes da Ditadura Civil-militar, regime que comandou o Brasil por mais de 20 anos com uma política truculenta que resultou em inúmeras nódoas, entre elas o desaparecimento impiedoso de milhares. Assim, homens e mulheres não tiveram, sequer, o direito de um enterro com a presença da família. Diante do psicólogo e ativista dos direitos humanos Eduardo Passos, o agora pastor evangélico Claudio Guerra confessa crimes, aponta pessoas por ele executadas e incineradas e, num processo duro, sem artifícios que visem aliviar os relatos, pelo contrário, desenha a brutalidade estatal que muitos teimam em relativizar.
Pastor Cláudio é uma espécie de versão estendida de Uma Família Ilustre (2015), curta-metragem que circulou por diversos festivais brasileiros, sendo em vários deles premiado. Por um lado, o formato longa-metragem traz a possibilidade da maior amplitude, com histórias sendo desveladas minuciosamente a fim de formar um painel doloroso do funcionamento de aparatos governamentais que davam conta da luta motivada por ideologia, mas também do enriquecimento de agentes validados pelo Estado. Por outro, há uma diluição da potência observada no curta, especialmente por conta do procedimento formal adotado que, em menos de 20 minutos, não gerava a inércia presente ocasionalmente na experiência com mais de 70 minutos. Claudio e Eduardo ficam frente a frente, com exibição de imagens, filmagens, documentos e fotografias ao fundo. A sombra do ex-delegado é projetada na tela, o que gera um efeito curioso de inequívoco pertencimento. Logo, a fala, sintomática de uma banalidade assustadora, e a silhueta se complementam para gerar sentido.
O mais valioso em Pastor Cláudio é a riqueza do depoimento, cuja função é elucidar o período obscurecido pela conveniência. Claudio detalha operações, fala do envolvimento de próceres membros do exército em atos espúrios, discorre sobre ações orquestradas para imputar responsabilidade à esquerda – a fim de que a opinião pública, por exemplo, respaldasse a continuidade da ditadura –, aponta locais de “desova” e identifica mortos entre as fotografias que surgem na parede. Formalmente, Beth Formaggini opta pela aspereza, depurando a narrativa em função do relevo e da efetividade do testemunho, do que ele revolve com singular e agressiva coloquialidade. Todavia, ela subaproveita a participação de Eduardo, ali mero entrevistador, bem como certas coisas que Claudio deixa escapar por entre as frestas de um discurso de mudança. Exemplo disso, o orgulho que ele demonstra em certos momentos por ter sido competente. Essa nuance passa sem ser tão sublinhada.
Pastor Claudio é uma exumação dos anos de chumbo. As declarações de Claudio Guerra deflagram, também, a ampla contribuição civil. São apontados empresários que forneciam local à incineração dos corpos, bancos encarregados de pagar prêmios aos agentes e uma irmandade formada no seio da elite brasileira que, segundo o protagonista, ainda estaria em plena atividade. Tudo isso torna urgente a incorporação do “civil” como gêmeo do “militar” na designação da ditadura que nos assolou entre 1964 e 1985. Algo alarmante é a afirmação do pastor de que a Lei da Anistia, de 1979, permitiu, inclusive, que torturadores e assassinos sigam agindo até os dias de hoje. O filme provoca um movimento de enfrentamento do passado para tentar compreender melhor o presente. Mesmo um tanto monocórdico, é rico como documento, sobretudo numa era em que certos setores da sociedade, inclusive o atual presidente da república, louvam desumanos crimes de outrora.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 7 |
Chico Fireman | 5 |
MÉDIA | 6 |
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