Crítica
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Sinopse
Depois de se tornar viúvo, um homem vai ter de encarar os desafios de criar a filha sozinho, sendo apresentado a um mundo repleto de medos, decepções, mamadeiras e noites em claro. Será que ele dará conta dessa difícil missão?
Crítica
Nos cinemas, nas televisões e em outros suportes, a repetição da figura do pai negro ausente criou um estereótipo. Comumente chamado na atualidade de “mito do pai ausente”, ele ajudou a moldar um imaginário evidentemente deturpado relativo à concepção da paternidade preta. Portanto, o primeiro aspecto positivo de Paternidade é ter como protagonista um pai negro super presente, daquele tipo que vimos incansáveis vezes anteriormente vividos por atores brancos. Matt Logelin (Kevin Hart) está prestes a testemunhar o nascimento de sua primeira filha, aparentemente curtindo cada etapa da pré-natalidade ao lado de sua esposa não menos feliz, Liz (Deborah Ayorinde). No entanto, por conta de uma embolia pulmonar surgida do nada no pós-parto, o momento é transformado em algo emocionalmente ambivalente: alegre, por conta da chegada ao mundo da pequena Maddy; triste, em virtude da morte trágica da mãe. Será que Matt terá capacidade de educar sozinho a criança? Não seria melhor aceitar a ajuda da mãe e da sogra dispostas a se mudarem por meses à sua casa? Essas são algumas das questões encaradas por um protagonista tipificado como “aquele em quem ninguém acredita, mas que vai surpreender a todos com a sua coragem e sensibilidade”. O desenvolvimento é previsível. Conseguimos antever cada aspecto do arco dramático que leva da dor à promessa de felicidade.
Em nenhum momento o filme nos permite temer pelos personagens. Há sempre uma garantia subliminar de que as crises serão passageiras e a felicidade aparecerá como recompensa aos justos de bom coração. Paternidade não é daquele tipo de produção disposto a colocar dedos nas feridas ou ponderar profundamente a respeito da operação complexa de criar filhos, atender expectativas e lidar com sensações constantes de estar fazendo algo errado como pai. Trata-se de uma comédia leve com pitadas/doses calculadas de amargor a fim de não tornar as coisas pesadas e/ou realistas demais. É o clássico filme para toda a família com uma lição de moral claramente desenhada. Nele, as boas atitudes serão sempre retribuídas pelo universo com desfechos positivos. O roteiro é calcado em simplificações e aprendizados, como quando Matt decide levar a sua bebê ao escritório (embora tenha condições financeiras para contratar uma babá em tempo integral). Certamente o ambiente corporativo é bem menos compreensivo do que vimos ali, dificilmente aceitando com tanto senso de solidariedade e empatia o fato do executivo de contas apresentar projetos super importantes com uma criança a tiracolo. É desse tipo de idealização que estamos falando por aqui, de criar um mundo em que as dificuldades existem, são duras, mas nunca serão páreo ao merecimento daqueles que fazem tudo correto.
Conhecido por suas comédias rasgadas, Kevin Hart se sai bem como esse homem vulnerável, considerado imaturo, mas que aprenderá a crescer ao cuidar de uma pequena vida em tudo dele dependente. Ainda que transpareça certo desconforto nas cenas mais dramáticas, como nas de choro ou de confronto sem um pingo de ironia ou sarcasmo, ele convence como esse palhaço entristecido pelo luto e pelas dificuldades diante da paternidade solo. Dentro ainda da ideia citada no parágrafo inicial, o rompimento com estereótipos, Paternidade traz uma paisagem humana majoritariamente negra, invertendo o modus operandi do cinema que sempre privilegiou atores brancos, sobretudo nesse tipo de filme para toda a família. E, pensando nessa geografia da comunidade que cerca pai e filha, há exemplos diversos de paternidade – ainda que a falta de aprofundamento dos coadjuvantes limite essa diversidade à superficialidade. O sogro de Matt é o “homem de família” norte-americano médio, com sua casa bem arrumadinha, cerca baixa e gramado aparado. Até onde se pode perceber, ele foi presente e atuante na família. Já o pai de Matt é citado como um homem mulherengo e relativamente ausente. O roteiro de Dana Stevens e Paul Weitz (este que também assina a direção) faz dessa comparação velada uma indicação (ainda que tímida) da variedade dessa paternidade negra. Há os ausentes e presentes.
Apesar da superficialidade, da previsibilidade e das convenções utilizadas sem muito pudor, Paternidade tem um charme que emana da construção dessa relação bonita entre pai e filha – algo acentuado quando Maddy cresce e passa a ser interpretada pela carismática Melody Hurd, com quem Kevin Hart tem boas interações. Ainda sobre o elenco, Lil Rel Howery vive o melhor amigo sem noção, o escudeiro que apesar da própria imaturidade pode oferecer um ombro amigo ao protagonista nos momentos de tensão. Outro destaque é a veterana Alfre Woodard vivendo a sogra com quem Matt tem divergências severas sobre a criação de Maddy. Com um ajuste mais fino na elaboração dessa relação tantas vezes turbulenta, Paul Weitz poderia ter quebrado (ainda que de leve) outro estigma com efetividade: o da sogra megera que vai se deixando revelar aos poucos. Essa é justamente a função da personagem, mas as mudanças no diálogo entre genro e sogra acontecem de modo bem esquemático, como se cumprissem um protocolo formal. Talvez o ponto alto do filme, sobretudo no que diz respeito ao seu discurso, é a demonstração das dúvidas que atravessam Matt, a ciência gradativa de que sempre estará a mercê de frustrações. Então, mesmo que idealize cenários (a escola católica cedendo em padrões de vestuário) e simplifique cenários (a menina vestindo roupas masculinas por falta de referência feminina), o filme tem boas ideias, como o desabafo desesperado no grupo de mães.
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