Crítica
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Sinopse
Paulistas e Soledade são duas regiões rurais localizadas no sul de Goiás. No começo da década de noventa, o êxodo rural foi intensificado com a expansão da monocultura agrícola e a exploração dos recursos hídricos. Desde 2014, não existem mais jovens morando na região. Estamos em julho, mês de férias. Época em que os filhos visitam a casa dos pais.
Crítica
Paulistas, documentário do cineasta Daniel Nolasco, começa nos dando informações importantes para compreendermos o interesse do percurso adotado dali em diante. O longa-metragem se passa em duas regiões rurais localizadas no sudeste de Goiás. Nelas, em decorrência da expansão da monocultura agrícola e da exploração dos recursos hídricos, não há mais jovens vivendo. Portanto, o cotidiano é conduzido por pais (mães), avôs (avós) e tios (tias) desses rebentos que migraram a cidades maiores, deixando para trás um modo de vida então anacrônico, cuja existência é severamente ameaçada justamente pela falta de herdeiros a lhe perpetuar. O enunciado escrito é imprescindível, como dado concreto, exatamente por que no transcorrer do filme não há disposição a esclarecer os pontos concernentes a essa realidade irreversível. O resultado, aqui, é fruto de uma observação, com espessuras lírica, da extinção por insuficiência de gente.
Sobressai a maneira como a câmera de Nolasco se coloca diante de personagens e cenários. Nos espaços internos, ela age como se evitasse “contaminar” a ação, assumindo um lugar de visitante pouco afeito a chamar atenção. Já no exterior, enquanto investiga o dia a dia campesino atravessado pela presença dos irmãos Samuel, Vinícius e Rafael, de férias visitando os pais que permanecem no âmbito rural, ela se coloca de forma diametralmente oposta, ou seja, ressaltando sua presença, e mais, o seu protagonismo. Paulistas possui uma beleza visual estonteante em alguns momentos, o que, por um lado, atesta o apurado senso estético de Nolasco, e, por outro, demonstra um afastamento da pretensão da “pureza documental”, já que os enquadramentos refletem um procedimento de controle que confere contornos quase ficcionais à produção. Aliás, essa encenação híbrida é um dos principais pontos a se ressaltar.
Daniel apresenta os três irmãos do mesmo jeito. Introduzidos ao alvejar uma televisão à distância com um tiro de espingarda – metáfora um tanto óbvia que dá conta de opor dramaticamente a vida agrária e a modernidade representada pelo aparelho –, eles, contudo, não são tidos como protagonistas de segmentos. As presenças se entrecruzam ao longo do filme, o que o afasta do esquematismo, tornando-o mais dinâmico e imprevisível. Os rapazes tomam parte dos afazeres do local, retornando gradativamente às suas raízes. Dentro dessa reconexão efêmera, vemos um deles auxiliando na pelagem de um porco, empunhando um lança-chamas; o conserto de um encanamento entupido; e outro bebendo leite recém-ordenhado da vaca, como lhe convinha na infância, provavelmente. Mas há, também, o contraste, com a paisagem sendo rasgada pelo ruído das motocicletas de rali e o rock and roll.
A construção da imagem é o melhor atributo de Paulistas. Dentro de um caminhar poroso, às vezes demasiadamente, sobressai uma plasticidade, no testemunho dos instantes, incomum aos documentários. Nesse sentido, a perda sensível de espontaneidade é compensada pelo esmero visual, do qual deriva uma dimensão emotiva e poética. São exemplos dessa potência, a cena do irmão iluminando a escuridão com bombinhas, o outro, num procedimento semelhante, mas fazendo uso do celular, e o rastro crescente de poeira deixando pelo aventureiro, numa cena capturada ao longe para deflagrar a influência circunstancial do homem na paisagem. Os mais velhos permanecem circunscritos em suas realidades, enquanto os jovens, em trânsito, embarcam numa nostalgia recreativa. Mesmo ocasionalmente emperrada nas lacunas, essa análise algo melancólica tem passagens luminares e sintomáticas.
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