Crítica
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Sinopse
Funcionária de um pedágio, Suellen percebe que pode usar a sua posição para conseguir um dinheiro extra ilegalmente. Ela pretende juntar a grana para mandar seu filho a um programa de "cura gay".
Crítica
Suellen está sempre atrasada. Por mais cedo que acorde, há tanto a ser feito, que o tempo que dispõe nunca parece ser suficiente. Ela trabalha longe, precisa pegar mais de uma condução, por vezes pedir carona. Arrumar a casa, preservar um mínimo de vaidade que o uniforme lhe permite, se esquivar do peso que o amante de ocasião pode lhe causar (algo bom à noite, mas dispensável pela manhã) e ainda se preocupar com o único filho. Aliás, é por ele, enfim, que todo o resto acontece de forma tão apressada. Afinal, entre essa rotina apertada, não lhe pode escapar a visita à santa no meio da estrada, onde renova a fé de que o garoto encontrará um caminho na vida. Não apenas nos estudos, na disposição em superar a condição humilde que lhes rodeia ou no emprego passageiro e sem futuro. O que mais anseia é que ele se torne, enfim, homem. Em Pedágio, cada um tem um preço a ser pago. Uns por necessidade, outros por obrigação. Suellen, no entanto, carrega um fardo que não lhe pertence. E a falta desse discernimento lhe será cara demais. Uma corda que será tensionada até o limite, em um filme que não oferece descanso, pois o que exibe está nunca aquém daquilo que exige.
Quando sonha, quase em desespero, que Tiquinho se torne homem, a mãe não espera vê-lo com uma boa namorada, quem sabe mais adiante já casado e com filhos. Ela reza, em sua angústia, e com urgência, é para que ele simplesmente pare de gravar vídeos nas redes sociais com figurinos transparentes em tons de rosa, dublando divas do cancioneiro norte-americano de décadas atrás. O temor é tamanho, que a palavra “gay” nem precisa ser dita: a ela basta o menino ser afeminado para que suas preocupações se manifestem. A relação dos dois não é das piores, ainda que não esteja nem perto de ser um exemplo de companheirismo e trocas mútuas. Ele tem a vida dele, e ela a dela. Porém, qual dos dois está mais distante dos trilhos? Ele vai à escola e à lanchonete onde atende em meio turno, lida da maneira que lhe parece ser a melhor com o crush malsucedido e tenta se esquivar com respostas rápidas e uma atitude independente da insegurança que lhe é dirigida por parte da mulher que o gerou. Ela não está feliz no trabalho, com o namorado e nem em casa. Mas é o filho que usa como catalizador de todos esses problemas.
Que fique claro, Suellen não é daquelas mães que ameaça colocar o garoto para fora de casa. Se o ameaça com um desabafo “enquanto estiver morando sob o meu teto e comendo da minha comida, terá que ser do meu jeito”, é por saber que não está sendo levada ao pé da letra, mas por desespero para se fazer ouvir. Há amor entre eles, e esse é tamanho a ponto de cada um conseguir relevar as deficiências do outro. Mas não estão isolados do mundo. Vivem em sociedade, e ela é quem sofre com a influência dos demais. As colegas de trabalho que assistem aos vídeos do rapaz, os comentários maldosos que chegam enviesados, a melhor amiga que propõe soluções ao melhor estilo “faça o que digo, mas não o que faço”. Em uma carência que a corrói, acaba cedendo. Primeiro àquele que deveria ser prazer, mas cada vez mais se confirma como preocupação: o namorado está escondendo relógios e joias roubados na sua casa. Ela tenta se impor, oferecer resistência, mas percebe que pode ganhar sua parte nesse esquema. Pois precisa de dinheiro. O suficiente para pagar o pastor da Igreja Evangélica próxima e o programa que desenvolvem de “cura gay”.
Há esperança para o menino, enfim. Ao menos é o que a mãe acredita. Mas e o filho, o que pensa disso? Recusa, é claro. Acha aquilo um absurdo. Nega, diz que não, que nem morto irá passar por isso. Mas, no outro dia, estará lá, sentado diante de outros como ele e ouvindo as mesmas ideias enviesadas de alguém que tira proveito da fé alheia por meio de teorias tortas e métodos sem nenhuma comprovação. Enquanto Suellen cada vez mais se afunda, Tiquinho começa a perceber que será por meio desse calvário que sua vida poderá, enfim, mudar. Não que sua orientação sexual será “transformada”: isso não existe. Mas lhe é chegado o momento da independência. De sair debaixo da asa materna e se preparar para seu próprio voo. Não é a mulher que precisa ajudar a criança – é o homem que ele se tornou que está fazendo aquilo por aquela que mais ama. Essas verdades não precisam ser ditas com todas as letras, pois expressas nos atos que os unem. É chegado o momento do filho cuidar da mãe. Talvez tenha vindo antes do esperado. Mas ambos sabem bem o papel que lhes compete de agora em diante.
Carolina Markowicz, aqui diretora e roteirista, faz de seu segundo longa como realizadora uma obra de discurso absolutamente direto e poderoso, mas conduzido com tanta leveza e determinação que até mesmo os mais atentos serão pegos de surpresa quando as peças deste quebra-cabeça, enfim, assumirem seus lugares. Para tanto, há de se apontar a fina sintonia que se estabelece entre Maeve Jinkings e a revelação Kauan Alvarenga. Ambos já haviam trabalhado com a cineasta, e aqui estreitam ainda mais essa ligação ao darem vida a dois personagens que poderiam ter morrido em suas intenções se não estivessem em mãos tão preparadas. Se ela é dor e esperança, é na irreverência e no cuidado dele que o círculo entre eles se completa, como um organismo único, por mais disforme que se sustente. Thomás Aquino e a incrível Aline Marta Maia (que também estava no filme anterior da cineasta, Carvão, 2022) também se destacam, mas Pedágio é mesmo dos seus protagonistas e daquela que o conduz com tamanha segurança, tanto no afeto quanto na crítica, que uma vez ciente, o arrebatamento virá tão firme e forte quanto a certeza de que seria este o caminho a ser tomado. Independente dos tropeços, das cancelas e dos becos sem saída que terão que desviar nessa jornada.
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