Crítica
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Sinopse
Crítica
No século 14, o amor interditado entre o príncipe D. Pedro I e sua amante, Inês de Castro, ganhou contornos trágicos quando ela foi assassinada a mando do pai dele. Tão logo virou rei, Pedro fez questão de desenterrar o cadáver putrefato da amada e coroá-lo numa cerimônia macabra. Pedro e Inês é baseado no livro A Trança de Inês, de Rosa Lobato de Faria, por sua vez inspirado nesse fato histórico que virou uma espécie de paradigma do amor fatídico em Portugal. A utilização de três tempos diferentes para contar a história – quatro, se considerarmos a atualidade estritamente como a residência do protagonista num sanatório –, busca conferir a esse enredo uma dimensão de sina. Sim, pois o entrelaçamento dos momentos separados alude à noção romântica de que a tragédia é uma fatalidade da qual não se pode escapar. Vemos Pedro (Diogo Amaral) refletindo sobre a própria loucura num manicômio; regredindo um pouco no tempo, há ele caindo de amores pela jovem que começa a trabalhar no escritório de arquitetura do pai; voltando ainda (muito) mais, ele vira um camponês que igualmente se apaixona perdidamente por uma forasteira; e, por fim, Pedro é visto como o emérito herdeiro que desafia as convenções da coroa para atender ao seu encantamento pela nobre integrante da corte de sua esposa. As ligações entre esses pontos cronologicamente distantes são claras, diretas e vitais.
Em Pedro e Inês são fundamentais as comunicações entre as três etapas que, digamos, antecedem a internação compulsória de Pedro. O cineasta Antônio Ferreira claramente se esforça para que o espectador consiga entender essa profunda ligação, assim privilegiando a mencionada ideia de algo que está fadado a acontecer. Quando herdeiro do trono, Pedro é submetido às vontades do pai sobre o casamento, rapidamente se vendo infeliz com a esposa que lhe foi atribuída. Na condição de filho do líder da aldeia, tem de dar o exemplo para o suposto bem da coletividade e contrair matrimônio com uma moça imposta a ele. Na contemporaneidade, o protagonista é o herdeiro de um escritório, mas a obrigação em função da continuidade de uma estrutura maior não se repete. A quebra poderia ser melhor desenvolvida como inerente à modernização das relações. Como isso não é explorado, o resultado é uma omissão de certo modo conveniente. Ou seja, por um lado, o filme elege como essencial a reiteração de engrenagens e circunstâncias capazes de gerar um ciclo parecido com a da lei do eterno retorno. Por outro, não se sente na obrigação de criar equivalências para tudo, nem ao tido como imprescindível ao tormento de Pedro. Mas, embora no presente como arquiteto não seja obrigado a abdicar de Inês (Joana de Verona), há a ação arbitrária do pai para, de alguma forma, atrapalhar esse amor.
De positivo no filme, a falta da certezas inquestionáveis a respeito do que vemos. Seria tudo fruto do devaneio de um sujeito absolutamente destroçado pela dor, de saúde mental comprometida? Ele tem a capacidade de rememorar vidas passadas, faculdade talvez conferida aos loucos que se deslocam da estrita realidade e a transcendem? Não há uma reposta definitiva, mas espaços para o espectador especular. As histórias são contadas simultaneamente e sempre do ponto de vista de Pedro, sendo Inês a musa, aquela a quem o protagonista deseja e que é atraída por seus encantos. Esse ponto de vista completamente centralizado na experiência do homem ajuda na compreensão de outras escolhas do filme, tanto as estéticas quanto as de encenação. Pedro e Inês sempre olha a partir de Pedro para as demais pessoas, o que gera uma pequena diferença de tom entre o homem torturado e os levemente engessados habitantes do entorno. Antônio Ferreira poderia ter trabalhado melhor isso, fazendo do longa-metragem também uma interessante ponderação sobre a representação. Em certas passagens, os passados (lembranças? elucubrações? imaginações?) são mais teatralizados. Essa oscilação tenderia a gerar uma estimulante reflexão acerca das camadas da dramatização, isso caso fosse evidenciada como parte do conceito. No entanto, como as escalas são (involuntariamente?) sutis ao ponto de desaparecerem em instantes, a mistura ora se dá timidamente, ora praticamente inexiste.
Há quem diga que, na ficção, os amores condenados ao fracasso são os mais belos. Romeu e Julieta, por exemplo, estabeleceram um modelo nesse sentido, justamente porque tiveram interrompida a euforia juvenil antes de a convivência tornar tudo menos sublime. O sacrifício no auge da paixão confere ao sentimento a aura de imortalidade. Em Pedro e Inês, existe a tentativa de solidificar essa lógica romântica do afeto estraçalhado pelas convenções, desbragado ao ponto de não poder existir sem efeitos colaterais nefastos. A alternância entre as, chamemos assim, eras da paixão entre Pedro e Inês é feita para transformar o sublime/trágico em artimanha do destino. Em vários instantes, o cineasta propõe um encadeamento de ideias quase didático, sucedendo imediatamente situações de conteúdos muito semelhantes. A vontade de esclarecer desgasta um pouco a complexidade da comunicação umbilical entre as temporalidades. Contudo, as debilidades desse encaixe (que deveria ser melhor afinado) não comprometem a noção de que a chama da paixão aumenta ao ponto de queimar os amantes. O trabalho do elenco corrobora a teatralização, vide diálogos declamados, bem como a obediência à cadência do texto e às marcações. Se intensificasse esse diálogo entre teatro e cinema, provavelmente o realizador teria mais que uma história sobre amores e dores perpetuados de mãos dadas, podendo almejar, quem sabe, uma meditação ao entrelaçar memória, imaginação, História e encenação.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 6 |
Bruno Carmelo | 5 |
Alysson Oliveira | 4 |
MÉDIA | 5 |
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