Crítica
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Crítica
O dado de ficção científica que o cineasta Alexander Payne lança mão para fundamentar Pequena Grande Vida não serve apenas como pretexto para deflagrar uma nova realidade possibilitada pelos avanços das pesquisas e da tecnologia. A descoberta, na Noruega, de um procedimento capaz de encolher humanos a uma escala minúscula carrega uma série de implicações que expõe a perversidade do sistema capitalista e o caráter inapelável e cíclico de seus efeitos colaterais. A revolução é celebrada inicialmente como um grande passo em direção à salvação de um planeta agonizando por conta de milhares de anos de vilipêndio humano. Quando menos gente, menos lixo produzido, queda nos níveis de emissão de gases prejudiciais à atmosfera e por aí vai. Mas, claro, sobretudo nos Estados Unidos, algo desse porte evidentemente seria logo transformado em negócio. Sem fazer alarde, há essa subversão da intenção original, movimento que deflagra um dos alvos da acidez do filme.
Matt Damon interpreta Paul, terapeuta ocupacional levemente angustiado por não poder ter uma vida mais confortável. Ao longo dos anos, ele acompanha ligeiramente interessado a evolução da comunidade dos pequenos, porém, sem demonstrar propensão particular a aderir à novidade. Contudo, seduzido pela possibilidade de transformar milhares de dólares em milhões e, finalmente, proporcionar à esposa a casa dos sonhos, ele resolve encolher junto dela. Não é à toa que Pequena Grande Vida deixa clara a quase imprescindibilidade de passar pelo processo como um casal, historicamente uma condição que auxilia a perpetuação de determinados valores importantes à expansão de alguns mercados. Guiados por um roteiro engenhoso, que mescla habilmente momentos cômicos e tiradas ferinas, somos apresentados ao método de reduzir as pessoas e realoca-las num mundo completamente novo. Todavia, um contratempo altera o rumo das coisas, deixando Paul desorientado e de volta ao proletariado.
Alexander Payne, então, começa a demolir o ideal de perfeição vendido pelas agenciadoras. Percebe-se que, mesmo na cidade mais proeminente dos pequenos, nem todos são afortunados, necessitando trabalhar, ou seja, replicando numa dimensão menor a cadeia de estratificação social. Outro dado importante ao longa-metragem – alinhado a uma bem-vinda tendência de resposta cinematográfica aos fenômenos conservadores do mundo – é a questão dos imigrantes. Desenvolvido com intenções ecológicas, fruto de uma preocupação capital com o meio ambiente, o encolhimento passa a ser utilizado como forma de punição, algo que ficamos sabendo pelos noticiários, um artifício simples, porém funcional, que ajuda a dimensionar globalmente a realidade pós-invenção. Dusan (Christoph Waltz), o vizinho ruidoso do protagonista, é um sérvio que se aproveita das brechas legais para ganhar dinheiro, oferecendo aos minúsculos produtos somente disponíveis aos grandes. É um mercador safo.
A entrada de Ngoc Lan Tran (Hong Chau) é um desdobramento natural dessa visão melancólica e sarcástica direcionada à sociedade do consumo. Refugiada vietnamita, ela passa a interagir com Paul, desenvolvendo por ele um sentimento curioso de amizade. Através dela acessamos o lado mais triste da cidade aparentemente perfeita, com subúrbios lotados de latino-americanos e imigrantes de outras partes do mundo. Esse deslocamento de olhares é responsável por mostrar que, mesmo em meio a uma conjuntura completamente nova, o produto mais constante de um mercado competitivo é a exclusão social, a compartimentação. Pequena Grande Vida tem, ainda, um protagonista em franca jornada, passando de norte-americano médio, um tanto patético em suas aspirações condicionadas, a alguém que valoriza os sentimentos e aprende a enxergar o outro. A mirada crítica de Payne, somada ao desempenho notável do elenco, produz um filme que perscruta a coletividade, suas idiossincrasias e falhas estruturais, e as singularidades, observando o efeito da nossa ganância.
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