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Crítica


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Sinopse

Nenhuma família é verdadeiramente normal, mas os Hoover extrapolam. O pai desenvolveu um método de auto-ajuda que é um fracasso, o filho mais velho fez voto de silêncio, o cunhado é um professor suicida e o avô foi expulso de uma casa de repouso por usar heroína. Nada funciona para o clã, até que a filha caçula, a desajeitada Olive, é convidada para participar de um concurso de beleza para meninas pré-adolescentes. Durante três dias eles deixam as suas diferenças de lado e se unem para atravessar o país numa kombi amarela enferrujada.

Crítica

Quem diria que os diretores de videoclipes de artistas como Offspring, Janet Jackson, Red Hot Chilli Peppers, R.E.M., Smashing Pumpkins e até Paula Abdul seriam responsáveis por um dos mais emocionantes filmes desse início de século? Pois o casal Jonathan Dayton e Valerie Faris não só conseguiram isso com Pequena Miss Sunshine, a estreia de ambos no formato, como ainda conseguiram um fato raro, realizar uma obra que conseguiu agradar tanto a crítica quanto ao público.

Como o título aponta, Pequena Miss Sunshine é uma referência a um concurso de beleza infantil. Quando a caçula da família Hoover decide participar, termina por arrastar todos os demais membros do clã consigo. E é uma turma bastante singular: o pai é um palestrante de técnicas de auto-ajuda fracassado, a mãe é uma neurótica a favor da honestidade, o irmão fez voto de silêncio por odiar todos que o rodeiam, o avô foi expulso do asilo por consumir heroína e o tio tentou se suicidar após levar um fora do namorado. Ou seja, um grupo repleto de perdedores. Mas este retrato de uma fatia bastante particular da sociedade norte-americana, os ‘losers’, aqueles que não conseguiram se ajustar dentro de um padrão publicitário de sucesso, vai além das superfícies, conferindo profundidade a cada personagem. Ao tornar seus dramas tão verossímeis quanto universais, facilita a identificação. E mesmo que reserve uma mensagem redentora para o final, o caminho até lá é tortuoso, e se não são poucos os momentos de riso, muitos têm gosto amargo e sofrido.

Num determinado momento, é dito a seguinte frase: “a vida é uma seqüência de concursos de beleza, estamos sempre querendo provar que somos melhores do que os outros”. Pequena Miss Sunshine, no entanto, se esforça para mostrar o contrário, que não há mal algum em não ser o melhor, em ser o diferente. É possível estabelecer um olhar atento àqueles que não venceram, ainda mais quando estes nos são caros. A nossa família, os nossos entes queridos. E é com este carinho que os diretores e roteiristas expõem seus protagonistas. Através de um enredo muito bem ajustado – cada cena é um deleite particular, tudo funcionando de forma harmônica, exatamente como se estivesse acontecendo na casa ao lado – e em sintonia com as imagens. É notável perceber que a cena mais comovente não faz uso de nenhuma palavra: quando a pequena Olive (Abigail Breslin) abraça o irmão (Paul Dano), após este ter uma crise ao descobrir que é daltônico. Esta visão, dos dois juntos, seria uma boa tradução do que o longa se propõe discutir, não fosse outra ainda mais perfeita: aquela que está no cartaz, com todos correndo para entrar na Kombi amarela velha, que por estar estragada não pode diminuir a velocidade. Sempre correndo para estar à altura de algo ou de alguém, mas sabendo que, no fundo, é parte de um conjunto maior.

Exibido com sucesso em Sundance, Pequena Miss Sunshine levou mais de cinco anos para ficar pronto, simplesmente por falta de recursos. Ninguém parecia disposto a investir num projeto como este. Pois a produção, que teve um orçamento de US$ 8 milhões, arrecadou ao redor do mundo mais de dez vezes esse valor, confirmando-se como um dos mais lucrativos lançamentos do ano. Indicado ao Oscar em quatro categorias, inclusive a Melhor Filme do ano, conquistou duas estatuetas: a de Melhor Roteiro Original e a de Melhor Ator Coadjuvante, para o veterano Alan Arkin. Reconhecimentos importantes, pois além de apontar para a excelência do texto, também destaca outro ponto forte: o elenco, todos com atuações acima da média. Toni Collette, Greg Kinnear e Paul Dano mostram uma competência discreta e contagiante, evidenciando em detalhes um universo de contradições em que se encontram. Mas surpreendentes mesmo estão Steve Carell, que do careteiro de O Virgem de 40 Anos (2005) conseguiu compor uma figura trágica e ainda assim envolvente, e a excepcional Abigail Breslin, que com menos de 10 anos oferece uma gama de emoções difíceis de encontrar em atores mais experientes – tanto que foi indicada também ao Oscar.

Pequena Miss Sunshine é uma discreta e cativante história com os elementos certos para se tornar memorável. Ao conseguir se comunicar com plateias das mais variadas, do intelectual ao fã de pipoca, do cinéfilo ao espectador casual, revela a eficiência de um projeto simples, porém nunca pequeno. Um trabalho de equipe que mostra a real importância de um enredo inteligente e perspicaz. Pois quando este existe, nenhuma barreira é forte suficiente para deixá-lo escondido. O convite para enxergar a vida sob outra perspectiva, afinal, é bastante claro. Pois tentar já é uma vitória.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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