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Crítica


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Sinopse

​Após desistir de sua carreira de cantora, Jewell Stone decide viver em Paris e acaba trabalhando como garçonete. Marie, sua avó e única família, mora em Vermont, Estados Unidos, mas chega de repente para visitá-la. O problema é que, de carta em carta, inventou uma carreira plena, um marido chamado Paul e até uma garotinha, Ruby. ​

Crítica

Encontramos Jewell (Monia Chokri) pela primeira vez no metrô de Paris, com os olhos abatidos, através do reflexo nos vidros do vagão. A ex-cantora é reconhecida por um colega músico, mas não reage ao chamado dele. A questão da imagem de si próprio se torna o fio condutor da narrativa a partir do momento que a jovem sustenta uma vida ilusória para a avó americana: Jewell seria uma artista de sucesso na França, vivendo com o marido Paul (na verdade, um ex-namorado de quem se separou há anos) e com a pequena filha, Ruby (a filha dele com outra mulher). Por trás desta ficção, a garçonete está solitária, endividada, comendo macarrão sem molho – símbolo máximo do fracasso aos olhos da direção. Quando a avó chega na França, a neta faz o possível para sustentar a farsa, talvez para não confrontar a si mesma com a ideia do fracasso. É difícil se olhar no espelho.

Ainda que a premissa possua forte potencial cômico, a diretora Sandrine Dumas está muito mais interessada em construir um drama minimalista. O conflito da mentira é diluído ao longo de um road movie, quando o falso casal Jewell-Paul passeia com a mãe dele e a avó dela pelo interior da França, numa forma de mascarar as crises que os aguardam na capital. Nesta pequena viagem de conveniências, o roteiro insere belos momentos de interação – vide a confissão de Jewell a um comerciante local, as três mulheres rindo do ronco de Paul (Jérémie Elkaïm), a avô Marie (Fionnula Flanagan) devorando sachês de açúcar por prazer. Os conflitos dentro de um road movie costumam soar acessórios, portando a obrigação de fazer os personagens avançarem, mas Pequenas Mentiras Francesas se sai melhor durante os instantes de banalidade, que constroem a psicologia dos personagens e tornam os relacionamentos verossímeis.

Mesmo assim, ainda existem os clichês típicos do gênero: o carro que quebra durante o trajeto, a música compartilhada pelos viajantes dentro do veículo, as brigas no posto de gasolina. Dumas se recusa a fornecer qualquer reviravolta digna deste nome: mesmo quando ações importantes acontecem no filme, elas são tratadas como eventos de menor importância. Conflitos envolvendo a revelação dos segredos e uma ligação telefônica de Jewell ganham ares anticlimáticos. A diretora lança armadilhas, apenas para fugir das mesmas, de modo a manter um ritmo linear, imperturbável, pontuado por sorrisos e pequenas melancolias, mas jamais risos nem lágrimas. A cineasta se ampara de uma premissa tipicamente melodramática para fugir a qualquer forma de sentimentalismo. O subgênero do road movie lhe permite fazer saltos no tempo a cada vez que um fato grave se aproxima: quando os personagens não sabem como agir, corta-se para o dia seguinte, quando acordam juntos e seguem viagem.

O projeto conta com um elenco muito bom, especialmente Chokri, atriz do Québec que atua em desenvoltura exemplar tanto no francês parisiense quanto no inglês estadunidense. Ela consegue alternar entre a artista irresponsável e a mulher deprimida dentro da mesma cena, usando o corpo e os grandes olhos de maneira muito expressiva. É uma pena que Jewell perca o protagonismo com a chegada dos viajantes. Durante o segundo terço, a narrativa se afasta do ponto de vista dela para observar, de modo onisciente, o conflito dos quatro, praticamente esquecendo a ex-cantora para se voltar aos problemas afetivos de Paul e às questões de ancestralidade de Marie. Por mais louvável que seja conferir ao quarteto seus conflitos independentes ao longo do curto filme, talvez a trama se tornasse mais coesa se os problemas fossem enxergados por um ponto de vista único. A metamorfose do filme, passando do drama subjetivo a um retrato coletivo, torna a experiência ainda mais plácida.

Ao menos, a diretora faz bom uso da duração dos planos e do enquadramento em scope, apostando na câmera na mão mais livre para retratar a vida caótica de Jewell, e depois privilegiando os planos estáticos quando o quarteto se reúne. Da mesma maneira que os personagens se acalmam, a estética também se torna mais lenta, enquanto os enquadramentos se abrem e as cenas noturnas cedem espaço a momentos solares. É inevitável, nos road movies, que as diferenças se atenuem e os personagens se aproximem, fazendo deste um dos gêneros mais inerentemente otimistas do espectro cinematográfico. Dumas atenua um pouco as convenções por evitar o moralismo, especialmente relacionado a essas mães e avós pouco convencionais. Talvez este seja o resultado de um projeto escrito, dirigido, produzido, fotografado, montado e musicado por mulheres. Existe evidente refinamento na linguagem, ainda que o tom despretensioso do conjunto o impeça de deixar marcas mais fortes na memória. Dumas prefere tratar este encontro como uma pequena escapada, um parêntese da vida real, sem pressões para que o aspecto mais sombrio da realidade bata à porta dos personagens.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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