Sinopse
À espera de uma ligação que pode mudar drasticamente os rumos de sua vida, um enigmático viajante se hospeda num hotel ao norte da cidade de Nova Iorque.
Crítica
Por mais que se fale em igualdade de gêneros e aceitação da diversidade sexual, o cinema com temática LGBT segue, em sua massiva maioria, sendo uma produção de nicho, voltada quase que exclusivamente aos já iniciados do assunto. Longas como O Segredo de Brokeback Mountain (2005) ou As Horas (2002) continuam raros no cenário internacional, principalmente por tratarem da sexualidade dos seus personagens como algo normal e, a partir dessa realidade, construírem seus dramas. Muito lentamente é que vamos fugindo dos estereótipos, dos escapismos cômicos e dos clichês rasos. Perfídia, produção chilena escrita e dirigida por Rodrigo Bellott – e, infelizmente, ainda inédita no Brasil – é um raro exemplo latino-americano de um bom filme que parte do tema em comum para ir além, ousando na construção de uma jornada cinematográfica ousada e significativa.
Repleto de silêncios, alternados apenas por uma emocionante – e nunca excessiva – trilha sonora, Perfídia nos posiciona como observadores privilegiados de uma trajetória aparentemente sem volta. Gus, numa interpretação envolvente de Gonzalo Valenzuela (protagonista de Na Cama, 2005, longa refilmado no Brasil com o título Entre Lençóis, 2008, com Reynaldo Gianecchini – difícil imaginar nosso Giane tomando o lugar do galã chileno também numa versão nacional desta outra trama...), é quem nos conduz por esse caminho tortuoso e de intenções escondidas, reveladas lentamente e com bastante parcimônia. O tom é dado logo de início, com uma sentida versão da canção homônima, enquanto cruzamos campos gelados e distantes. Nosso personagem tem um único objetivo, e para atingi-lo não importa o percurso ou as dificuldades que precisará enfrentar para, enfim, se dar por satisfeito.
Seu destino é um hotel típico para turistas em férias. Mas não estamos ali para passeio – ao menos não dessa vez. Uma vez alojado no seu quarto, presente e passado vão aos poucos se misturando, ao mesmo tempo em que nosso protagonista vai, com bastante cuidado, se desnudando. Primeiro serão suas roupas, depois a barba, o cabelo. Por fim, a própria alma. Já solto, devaneios, lembranças e alegrias já esvaziadas se manifestarão, até que o momento que todos temiam – e, obviamente, esperavam – se manifesta de forma imperiosa, impedindo qualquer atraso. Na sua cama pode estar um homem, talvez uma mulher, mas tudo isso se foi e não faz mais sentido. O que ele precisa fazer não pode ser adiado, e foram atitudes de ontem que irão decidir hoje o rumos das coisas.
Exibido no Festival Internacional de Cinema de Miami, Perfídia é o resultado de um grande esforço do seu realizador, Rodrigo Bellott, que o tornou realidade tal qual o imaginava, sem ceder às pressões externas para tornar seu filme mais ‘acessível’ ou ‘palatável’. Nascido na Bolívia e formado em Cinema em Nova York, Bellott possui uma relação muito próxima com Valenzuela, e foi da convivência dos dois que surgiu a inspiração para o argumento desse trabalho denso, que guarda cada revelação com muito cuidado, não cedendo facilmente às tentações de provocar choques baratos na audiência. Másculo e poderoso, possui também uma sensibilidade bastante singular, o que transforma sua experiência ainda mais gratificante. Uma obra a ser descoberta e refletida sem tropeços, pois aqui a verdade está por trás do que a superfície pode apontar num primeiro olhar.
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