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Sinopse

Enfermeira particular, Ichiko cuida há anos da matriarca da família Oishi. Essa rotina é duramente alterada quando seu sobrinho é acusado de sequestrar a caçula da família que a emprega.

Crítica

Embora não tenha cometido qualquer crime, Ichiko (Mariko Tsutsui) tem a vida desmantelada depois que seu sobrinho sequestra a caçula de uma família à qual trabalha como cuidadora. De modo semelhante, a menina privada da liberdade sente o peso da misoginia entranhada na sociedade que a culpabiliza por ser mantida em cárcere privado. Em Perfil de uma Mulher, o cineasta Kôji Fukada busca deflagrar essa vulnerabilidade imposta ao feminino, existente por conta do machismo milenar persistente. Ainda que somente sinalize a simetria das consequências, praticamente reduzindo o infortúnio da jovem a um par de citações esparsas, ele sublinha o fato de que, mesmo inocentes, elas estão à mercê de um julgamento coletivo de intensidade desproporcional. Observamos essa trama em dois momentos cronologicamente distintos. A relação entre o presente da protagonista (no qual está sozinha, à deriva) e o passado (em que se encontrava cercada de gente e possibilidades) atiça a curiosidade para saber como chegou ali. O vazio a ser preenchido é o predominante.

O surpreendente em Perfil de uma Mulher está na forma como o realizador vai acrescentando camadas sem desvirtuar-se do foco principal, ou seja, da investigação sobre a danação da personagem que implode como se fosse um castelo de cartas intempestivamente suprimido de uma peça basilar. A rotina cuidando da idosa que requer técnica e atenção demonstra a humanidade dessa protagonista, a capacidade de doar-se exercendo uma vocação. Além de tudo, ela auxilia nos estudos das meninas da casa, sendo repreendida pelas colegas por “trabalhar demais”. Ao crime, sobrevém uma consecução de conflitos. Primeiro, o da ordem da consciência, ou seja, contar ou não aos empregadores que tem vínculo sanguíneo com o sequestrador. Segundo, o da convivência com a omissão que ameaça ser revelada e destruir perspectivas. Habilmente, Kôji Fukada inclui nesse escrutínio íntimo as ocultas intenções de Motoko (Mikako Ichikawa), a irmã mais velha da vítima que convence Ichiko a se fazer de rogada e seguir trabalhando. Afinal de contas, ela realmente não fez nada.

Paulatinamente, o filme vai abrindo seu escopo, convidando à luz essas questões de Motoko, tais como sua homossexualidade reprimida, desse modo engrossando o caldo do enredo, mas sem desviar-se de Ichiko. Em determinada cena, elas confessam mutuamente episódios de contato com aspectos da sexualidade. No caso da adolescente, serve para compreendermos sua curiosidade pelo corpo feminino e lançar uma dúvida, adiante confirmada, quanto ao desejo mantido pela cuidadora. Quanto à esta, permite a existência de um dado ambíguo, de fácil distorção pública, sobretudo pela imprensa tão ávida por episódios sensacionalistas. Perfil de uma Mulher é atento aos detalhes, aos gestos que denunciam às vezes mais que todas as palavras, como na sequência da protagonista lidando com a mancha de tinta vermelha em seu carro, logo emporcalhando praticamente tudo o que toca, embotada num estado semi-catatônico. Gradativamente, o viés da vingança vai ganhando o primeiro plano, o que permite perceber as verdadeiras intenções da mulher com o cabelereiro.

Num sentido estrito, Ichiko é a maior vítima de Perfil de uma Mulher. Se torna cativa dos pecados de alguém que possuiu o mesmo sangue – algo tão antigo quanto a ideia de narrativa. Rapidamente, vira alvo da horda de jornalistas “carniceiros”, mais preocupados com as vendagens ocasionadas pelas controvérsias do que necessariamente atentos às ponderações. Adiante, a opinião pública se volta contra ela, ávida por crucificar alguém como se isso a garantisse algum tipo de vantagem moral. E, por fim, padece por conta do amor (transmutado em ódio) da jovem que não pensa em corresponder. Em alguns instantes, Kôji Fukada parece indeciso entre ocupar-se desses infortúnios puramente pessoais e fazer deles indícios de uma configuração social complexa, propícia ao apedrejamento alheio. Porém, no geral, consegue equilibrar bem essas duas intenções, ainda beneficiado pela interpretação excepcional de Mariko Tsutsui. Ela encarna com propriedade a oscilação entre os estágios de humor, construindo em cena um gentil animal ferido que ataca não necessariamente para se defender, mas a fim de encontrar alento numa sensação fugaz de compensação.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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