Crítica

Se em A Caçada ao Outubro Vermelho (1990) o agente Jack Ryan é quase um coadjuvante, em Jogos Patrióticos (1992) criou-se uma necessidade tão grande de se conhecer melhor o personagem, desenvolvendo o seu lado mais íntimo e pessoal, que o título quase soa deslocado – Jogos Familiares talvez fosse mais apropriado. A conclusão, no entanto, é que ainda faltava uma oportunidade do público conferir o personagem criado pelo escritor Tom Clancy literalmente em ação, envolvido em uma trama independente e de proporções mais drásticas. Isso só foi acontecer em Perigo Real e Imediato, sua terceira incursão cinematográfica. E o resultado foi o título mais bem sucedido de bilheteria de toda a série.

Depois da desistência de Alec Baldwin (intérprete no primeiro filme), Jack Ryan retorna sob o comando de Harrison Ford, que se esforça para construir uma figura mais frágil e intelectual, distante do instintivo e aventureiro Indiana Jones – seu herói mais conhecido. Depois de impedir um ataque a um submarino russo desgarrado e de lidar com terroristas do IRA, Ryan volta sua atenção dessa vez para o tráfico de drogas na América Latina. Com isso, abre-se espaço para todo o tipo de clichês e estereótipos sobre a região – “você tem coragem de beber a água daqui? Até para escovar os dentes utilizo da engarrafada” – ao mesmo tempo em que o longa vai fundo na culpabilidade dos países dito desenvolvidos sobre o atraso do Terceiro Mundo.

A história começa quando, no meio do mar caribenho, uma lancha é interceptada pela marinha norte-americana. Lá eles encontram um empresário americano assassinado, assim como sua família. O ponto crucial é que este homem, ao mesmo tempo em que foi eliminado por desavenças com um poderoso traficante colombiano, era amigo pessoal do presidente dos Estados Unidos. Assim, estabelece-se duas linhas de ação: ao mesmo tempo em que Ryan – já de volta à CIA – lidera uma investigação para descobrir até que ponto a vítima estava envolvida com negócios ilegais na Colômbia, o líder do país mais poderoso do mundo dá carta branca para o início de uma ação ultrassecreta para eliminar os comandantes dos carteis internacionais. Ou seja, uma vendeta pessoal do presidente para se vingar da morte do velho conhecido, feita por debaixo dos panos, e sem o conhecimento do nosso protagonista.

Se Phillip Noyce – diretor também de Jogos Patrióticos – revela pouca familiaridade nas cenas de ação, por outro lado confirma seu talento nas cenas de suspense, com uma tensão inteligente e crescente. Porém o filme tropeça em sua extensa duração – são 141 minutos – e de uma edição problemática, vítima também de um roteiro obviamente feito às pressas e no embalo do sucesso dos dois primeiros filmes. Há tantas idas e vindas entre a Colômbia e os Estados Unidos que a impressão que o espectador tem é a de que a viagem entre os dois países é algo simples e rápido de se fazer. Os trâmites burocráticos, como a espionagem digital e a investigação online, numa época em que computadores estavam começando a se tornar populares, parecem risíveis vinte anos depois. Mas são bem-intencionadas, e em última instância contribuem eficientemente com o desenrolar da história.

Este é o último filme da trilogia inicial de Jack Ryan nos cinemas, quando ainda existia uma preocupação em trabalhar a personalidade deste analista estratégico que, por forças das situações, acabava envolvido em acontecimentos muito além dos seus interesses. O longa seguinte, A Soma de Todos os Medos (2002), representou um novo começo, com um rejuvenescimento do protagonista – Ben Affleck assumiu o papel. E o quinto episódio, Operação Sombra: Jack Ryan (2014), lançado há pouco e com Chris Pine à frente do elenco, vai ainda mais longe, não só abandonando tudo que fora levado às telas antes como se desligando até mesmo dos livros, ao construir uma história completamente inédita. Tentativas de contemporizar o personagem que não funcionaram muito bem e ainda esqueceram do principal: bons enredos podem ser relativos, mas os elementos que sustentam franquias como essa junto aos fãs fieis e atentos são o respeito e a dedicação ao universo que lhes é familiar. E neste ponto Perigo Real e Imediato é, de fato, o mais eficiente.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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