Sinopse
Claé e Bruô são agentes secretos que precisam superar as suas grandes diferenças para encontrar criaturas fantásticas capazes de oferecer caminhos para todos encontrarem a paz em tempos nebulosos de guerra.
Crítica
A expectativa é a mãe da decepção, conforme diz a sabedoria popular. O cineasta brasileiro Alê Abreu conquistou plateias mundo afora com O Menino e o Mundo (2013), longa animado indicado ao Oscar (entre os inúmeros prêmios internacionais pleiteados/vencidos). E quando alguém alcança tão destacado espaço numa indústria concorridíssima – ainda mais partindo de uma realidade pouco industrial como a brasileira –, é natural que as atenções sejam redobradas sobre os próximos passos de sua carreira. Para o bem e o mal crescem as expectativas em cima dos trabalhos que sucedem os êxitos retumbantes. Se igualmente excelente, as novidades criam uma ideia de consistência, quiçá de trajetória ascendente. Se menos bem-sucedidas, acendem uma espécie de sinal de alerta, algo do tipo “será que aquele ponto fora da curva foi uma exceção?”. Porém, é aconselhável evitar esse tipo de pressão excessiva, afinal de contas os filmes são entidades relativamente autônomas ainda que possam ser compreendidas dentro de conjuntos ou mesmo de uma perspectiva autoral. No entanto, é uma missão árdua essa a de isolar uma produção e evitar a tentação de comparar. Talvez seja uma limitação da crítica ávida por anunciar autores coerentes? Talvez. Dito tudo isso, é preciso ter em mente que Perlimps não é O Menino e o Mundo, mas que a ele está inequivocamente conectado por uma assinatura.
A história é simples. Duas figuras, Claé (voz de Lorenzo Tarantelli) e Bruó (voz de Giulia Benite), transitam por uma floresta encantada em missões secretas semelhantes: encontrar os Perlimps, criaturas mágicas que podem ajudar os seres viventes a escapar da opressão dos Gigantes (os vilões). Desde o começo a aura lúdica se impõe dentro de uma investigação com tons infantis, a julgar já pelo primeiro encontro entre os protagonistas. Na ocasião, ambos anunciam estar em missões secretas – ora, se elas são secretas, os agentes não deveriam assim as considerar ao primeiro estranho, não é? Claro, isso não é um equívoco de roteiro, mas a ênfase na infantilidade dos personagens que encaram tantos desafios, como se crianças projetassem no imaginário o que não conseguem elaborar diante da crua realidade. Claé parece uma raposinha, mas reivindica atributos de outros animais da floresta, o mesmo acontecendo com o ursinho Bruó e sua cauda de leão, igualmente semelhante a uma quimera fofa. O aspecto visual é muito importante em Perlimps e, provavelmente, é a maior de suas qualidades. O balanço das cores, o equilíbrio visual desse mundo lírico em que há inimigos no horizonte e mocinhos semelhantes ao dos contos de fadas, a movimentação dos personagens. Tudo isso é de encher os olhos. Prova da capacidade de Alê Abreu para desenhar telas exuberantes alusivas à fértil imaginação infantil.
Os problemas fundamentais de Perlimps começam na construção do discurso antibélico e, claro, pacifista. Claé e Bruó são de reinos diferentes (Sol e Lua) e possuem métodos próprios para chegar ao mesmíssimo objetivo. Claé é de uma terra tecnológica, celebra a existência de avanços como viagens interplanetárias e espadas a laser. Bruó é mais espiritualista, conversa a respeito de essências, vibrações e intangibilidades. Eles são opostos complementares, sobressaem pelo companheirismo na atualidade em que somos convidados a dialogar apenas com nossos pares e refutar veementemente as divergências. No entanto, Alê Abreu não alcança a profundidade emocional observada em O Menino e o Mundo (olha as comparações aí), se contentando em estabelecer uma ponte entre dois personagens discordantes e, em meio às suas jornadas, insistir sempre nos mesmos tons para garantir a mensagem de união. Toda vez que um personagem manifesta determinada característica, seu companheiro de ocasião faz algo parecido (o que paradoxalmente deflagra a diferença). Logo depois eles somente têm sucesso ao juntar forças. A repetição incessante desse procedimento (como se não tivéssemos entendido na primeira de muitas vezes) cria uma sensação de giro em falso. Por sua vez, essa impressão faz os menos de 70 minutos de duração serem mais cansativos e pouco propositivos do que poderiam/deveriam.
Assumindo conscientemente o risco de incorrer numa espécie de arrogância, podemos dizer que Perlimps provavelmente seria melhor se condensasse as suas ações numa duração menor. Isso porque a jornada dos protagonistas é formada de pequenas variações de temas, subtemas e desenvolvimento insistidos à exaustão. Uma vez condensado, esse conjunto ganharia em ênfase? Talvez, pois o que empaca a experiência nessa animação de longa-metragem é a pouca diversidade na conexão de assuntos como a amizade entre pessoas de universos distintos e a ameaça da destruição justificada pela necessidade de progresso. Diga-se, tudo isso em meio à decodificação do mundo entre a paz da floresta e a guerra decorrente das tensões humanas. Visualmente bonito, o filme assume o perigo de perder o espectador ao construir uma odisseia repetitiva através dessa imaginação infantil da realidade, transmutada em distopia pelos adultos inconscientes de seu papel no planeta. As intenções são ótimas, a animação é tecnicamente linda, mas falta ao desenvolvimento o discernimento entre adicionar elementos para engrossar uma visão de mundo e simplesmente repetir os gestos e as abordagens a fim de estender a experiência. Nossa percepção seria diferente se ele não fosse o trabalho de Alê Abreu depois de O Menino e o Mundo? Sempre bom ponderar expectativas, mas talvez esse não seja o caso.
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