Crítica
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Sinopse
José Nunes e Maxime Charasse são amigos e sócios minoritários em uma construtora que está passando por dificuldades. Para proteger seus interesses, tomam uma decisão radical e acabam vinculados a um segredo obscuro. Quando começam a vislumbrar um futuro melhor, no entanto, um estranho personagem aparece em suas vidas, lembrando-lhes que nada pode desaparecer por completo.
Crítica
Ainda que a prática seja até bastante comum em Hollywood, são raros os intercâmbios registrados entre outros países no que diz respeito às refilmagens. Mas existem, sim, alguns casos. O francês Intocáveis (2011) virou o argentino Inseparáveis (2016), o mexicano Não Aceitamos Devoluções (2013) se transformou no brasileiro Não se Aceitam Devoluções (2018), e o italiano Perfeitos Desconhecidos (2016) foi adaptado no espanhol... Perfeitos Desconhecidos (2017). O que é mais incomum, ainda, é uma produção daqui servir de inspiração para colegas de outros países – e a exceção que confirma a regra é o malfadado Meu Adorável Fantasma (1982), sempre presente para nos lembrar que ninguém deveria ter mexido no nosso Dona Flor e seus Dois Maridos (1976). Pois bem, nem todos esses avisos foram suficientes para evitar que produtores franceses decidissem meter o nariz onde não eram chamados ao se apropriar do impactante O Invasor (2001). E o resultado é esse Persona non Grata, um thriller que não se resolve nem enquanto obra independente, e menos ainda enquanto remake.
Para quem não lembra – ou mesmo não viu – o original, vale uma explicação rápida (afinal, ambos contam a mesma história). Dois sócios minoritários de uma empreiteira decidem contratar um assassino de aluguel para eliminar o parceiro majoritário. Após o crime e de terem pago pelo serviço encomendado, no entanto, o bandido decide não se afastar. Ele não só passa a se envolver diretamente nos assuntos da empresa, como também se torna namorado da filha do falecido. A tensão vai crescendo a níveis alarmantes, até o ponto em que uma tragédia acontece, alterando o destino de todos os envolvidos. Quem assume os papeis de Marco Ricca e Alexandre Borges como os empresários são Nicolas Duvauchelle e Raphaël Personnaz, e ambos desenvolvem suas obrigações na medida exata. Os problemas, no entanto, estão direcionados a dois outros personagens fundamentais. Nadia Tereszkiewicz (Os Dois Filhos de Joseph, 2018), por exemplo, fica longe de alcançar o mesmo registro de Mariana Ximenes. Mas nada é pior do que o desempenho de Roschdy Zem, que se equivoca na composição do tipo no Brasil interpretado por Paulo Miklos.
A principal questão a respeito é que O Invasor era justamente o que o título adiantava: a respeito de uma figura que invadia as relações dos outros – entre os sócios, junto à jovem órfã – e assim o fazia para corrompê-las e desestabilizá-las. Persona non Grata, no entanto, tem outro propósito. O foco não está nesse que invade, mas no desconforto que ele provoca como um agravante de uma situação que há muito demonstrava sinais de desgaste. Ou seja, ele deixa de estar no centro das atenções, e passa a ser apenas uma provocação, não mais do que isso. Se Paulo Miklos deu o pontapé inicial de sua carreira como ator com esse personagem ao mesmo tempo cativante e assustador (foi premiado no Festival de Brasília, de Miami, Prêmio Guarani, Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e Prêmio Qualidade Brasil), Roschdy Zem, por outro lado, soa quase displicente, e parece estar mais interessado no que se desenrola por trás das câmeras (ele assina também a direção) do que com a sua própria presença em cena. O seu Moïse incomoda, é certo, mas não chega a representar um perigo real.
As atenções em Persona non Grata estão mais voltadas à dinâmica estabelecida entre José Montero (Duvauchelle) e Maxime Charasse (Personnaz). Se esse tem apenas que bancar o bom moço que, na primeira oportunidade que lhe é apresentada, se apronta rapidamente para dar o golpe, o outro é o que sofre com as consequências morais provocadas pelas decisões da dupla. É nele, aliás, que a câmera se concentra na maior parte do tempo, criando um desequilíbrio entre as representações – o tempo passado no envolvimento entre Moïse e a jovem Anaïs (Tereszkiewicz) acaba soando mais como um desperdício, pois nunca chega a dizer a que veio. Montero é quem se pergunta se o que está fazendo é certo ou não, se os fins alcançados irão justificar os meios percorridos e, principalmente, se haveria uma outro caminho a ser tomado, uma outra escolha a ser feita. Nesse ponto o filme é feliz, principalmente por ter deixado essa responsabilidade nas mãos daquele que é o mais competente do elenco.
Se a tarefa de se analisar Persona non Grata sem estabelecer relações com O Invasor é quase impossível para o espectador brasileiro – e, nesse caso, em qualquer comparação o representante nacional se revela superior – ao menos resta a expectativa de um melhor desempenho junto ao mercado internacional, que por ventura possa não conhecer o longa original. Nesse caso, porém, o filme francês também se mostra fraco, seja nas inúmeras elipses que vai estabelecendo ao longo da narrativa, ou pelo desfecho apressado, que ao invés de provocar o impacto almejado, apenas anuncia um despreparo em lidar com o tema sobre o qual se debruça. As repercussões poderiam ser mais enfáticas e os alcances mais amplos – seja pelas ambições de um, os receios de outro, ou mesmo a inconsequência daquela que insiste em se manter alheia ao que se passa ao seu redor. Porém, o que deveria se apresentar como um conto moral, resigna-se em se mostrar apenas como mais uma produção genérica, tão ambiciosa quanto passageira.
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