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Sinopse

Temerosa de deixar a sua infância para trás, Wendy Darling conhece Peter Pan, menino que se recusa a crescer. Ao lado de outros novos amigos, ela terá uma aventura empolgante pela Terra do Nunca contra o Capitão Gancho.

Crítica

O clássico conto do menino que se recusava a crescer já foi levado inúmeras vezes ao cinema. Só no século XXI há mais de uma dezena de produções inspiradas pelo clássico surgido da pena de J.M. Barrie, tendo sido as mais notórias Peter Pan (2003), de P.J. Hogan, e Peter Pan (2015), de Joe Wright. Enquanto a primeira se ocupava em apenas recontar o texto original, a segunda buscou um novo ponto de vista, vislumbrando não a chegada das crianças da família Darling à Terra do Nunca, mas, sim, a primeira visita do próprio Pan, seu encontro com o Capitão Gancho e a descoberta desse lugar mágico e encantador (tão inebriante a ponto de motivá-lo a nunca mais querer ir embora). Pois Peter Pan e Wendy, a mais recente versão, não só acrescenta ao título a principal personagem feminina da história (desculpa, Tinkerbell), como também, alegadamente, se propõe a investigar com maior propriedade a relação entre esses dois personagens. Porém, não é bem exatamente isso o que se verifica em cena. Não que seja um demérito, mas uma correção de curso faria bem ao conjunto final.

David Lowery, conhecido por títulos sombrios, como A Lenda do Cavaleiro Verde (2021) e Sombras da Vida (2017), mas também responsável por um trabalho anterior com a Disney (Meu Amigo, o Dragão, 2016), faz um misto dessas duas vertentes em Peter Pan e Wendy. O que entrega é uma obra nitidamente voltada ao público infantil, mas que também não despreza oportunidades de se dirigir a um espectador mais adulto e intelectualizado, circulando possibilidades reflexivas e psicológicas. Pra tanto, contou mais uma vez com o auxílio do co-roteirista Toby Halbrooks, seu parceiro de longa data, para criar uma fábula que trabalha bastante com os ambientes escuros, seja a fuga pela noite ou a luta no interior da caverna, tendo como ápice o enfrentamento entre herói e vilão em um quarto abandonado. Talvez essa designação – quem é quem, afinal? – seja o melhor do filme. Seria fácil apenas enaltecer a criança e jogar todas as culpas sobre o adulto. Mas quais as razões de cada um para os seus atos? Eis, enfim, alguma diferença válida de reflexão.

Mais uma vez se tem a encenação já conhecida: assim que são colocados em suas camas, prontos para dormir, os irmãos Wendy, Miguel e João recebem uma visita inesperada – ou melhor, duas: Tinkerbell, uma fadinha minúscula e bastante agitada, e Peter Pan, o menino alado que vem ao seu encontro. Ele, principalmente, está acostumado a este ambiente, pois se tornou um dos seus lugares favoritos cada vez que precisa escutar uma boa história (geralmente contada pela garota aos seus dois caçulas). Dessa vez, no entanto, a presença deles é revelada por um motivo aparentemente banal – a sombra dele escapuliu e decidiu se esconder no quarto das crianças – e, uma vez todos cientes de que contos de fadas podem ser reais, um convite é feito – e prontamente aceito. Os três partem ao lado dessas figuras mágicas em um passeio pela Terra do Nunca, onde meninos e meninas não crescem e tem como vizinhos piratas, índios e sereias. Mas em meio a tanto encantamento, há um perigo que não pode ser ignorado: o irascível Capitão Gancho, que deseja a todo custo vencer seu declarado arqui-inimigo, o garoto Pan!

Essa narrativa não foge daquela ilustrada por muitos dos seus antecessores. A própria ligação entre Wendy e Pan, a paixão dela por ele e a relutância do rapazote em amadurecer – e, portanto, assumir o evidente amor que também nutre por ela – já fora explorada diversas vezes. Nesse aspecto, portanto, essa releitura pouco acrescenta ao debate, por mais que o título coloque as perspectivas nessa direção. O que se revela rico em interpretações, no entanto, é a nítida relação de co-dependência existente entre Pan e Gancho. Um dos vilões mais carismáticos da Disney, o pirata que perdeu a mão para um crocodilo foi vivido na tela grande por grandes nomes, como Dustin Hoffman e Jason Isaacs. Quem o recebe agora é Jude Law, que aproveita para dotá-lo não apenas de um sentimento de vingança, mas também de um rancor que vai além da perda física: sua vontade está em recuperar o tempo perdido, a amizade que os dois um dia nutriram, as esperanças que compartilharam e as promessas que fizeram juntos, mas que por decisões de ambos os lados acabaram por se perder na poeira dos anos. Há uma mágoa latente em cada uma das suas ações, e o duelo entre eles, que sempre se posicionou como o clímax da história, dessa vez ganha ares ainda mais dramáticos e profundos.

Se por um lado Alexander Molony (Pan) é uma revelação, indo não muito além do esperado, Ever Anderson (Wendy) é quem captura as atenções a cada entrada em cena. Filha do cineasta Paul W.S. Anderson e da atriz Milla Jovovich, ganhou os inebriantes olhos da mãe, responsáveis por lhe conferir uma presença quase hipnotizante. Lowery ainda acerta na questão da diversidade étnica do elenco – Tinkerbell é vivida por Yara Shahidi (Black-ish, 2014-2022), uma mulher negra, e não a loirinha das representações animadas, enquanto que entre as crianças perdidas (não mais apenas garotos) há, enfim, uma representatividade (há até um menino com Síndrome de Down), sem esquecer que Tigrinha, a princesa indígena, ganha o rosto de Alyssa Wapanatâhk, uma atriz que de fato é descendente dos povos originários (e pensar que, em adaptações anteriores, essa mesma personagem chegou a ser interpretada por Rooney Mara!). São gestos pequenos, mas de imensa relevância, ainda mais se levado em conta que todos, de um modo ou de outro, servem para compor um cenário amplo e múltiplo, pano de fundo desse antigo e devido acerto de contas. O nome pode até ser Peter Pan e Wendy, mas faria mais sentido se fosse Peter Pan e Capitão Gancho, pois é essa a trama que, de fato, por aqui se desenrola. E é por ela que as atenções recebidas se justificam.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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