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Sinopse

Em um paralelo entre sua própria trajetória e a história do surf brasileiro, o esportista Picuruta Salazar quebrou diversos paradigmas ao adentrar em uma modalidade, até então, dominada pela elite da Zona Sul carioca, para se tornar o ícone de toda uma geração de surfistas que não possuíam mais esperança em cumprir seus objetivos.

Crítica

São realmente impressionantes a quantidade e a qualidade do material de arquivo que o cineasta Alex Miranda tem à disposição em Picuruta: A Lenda do Gato, documentário sobre o surfista Picuruta Salazar. Não se tratam apenas de fotografias, recortes de jornais e revistas especializadas, mas também de excertos filmados, ou seja, de exemplares pessoais e da imprensa da época. A operação de resgate, portanto, merece loas pela preservação de parte importante da história do esporte brasileiro. Todavia, é de se lamentar que o roteiro estabelecido para o enredamento dessas ricas matérias-primas seja tão combalido pela ausência de foco, bem como por uma confusão acentuada em virtude da estrutura desprovida de potência especificamente cinematográfica. Entremeando os estilhaços do passado e as famigeradas “cabeças falantes”, o longa-metragem atira para diversos lados, porém não logrando êxito em construir um percurso consistente. Os momentos iniciais são esquematicamente dedicados à formação do atleta e de sua turma santista.

Na verdade, Picuruta: A Lenda do Gato se ressente da falta de um recorte claro, de um esforço mais empenhado em ressaltar determinadas circunstâncias e/ou temáticas. Rapidamente ocorre a dispersão, com o realizador se perdendo em divagações de antigos colegas e familiares, como o irmão e parceiro de águas Almir. Há indecisão entre falar especificamente do protagonista ou sublinhar a relevância da família para os êxitos nas ondas mundo afora. Uma fragilidade evidente é a tardia menção ao falecido Lequinho, o primogênito que morreu em decorrência de complicações da AIDS. Desde o começo, fala-se em três Salazar barbarizando nas areias do litoral paulista. As fotos da trinca a reafirmam, contudo é somente no terço final da trama urdida com frouxidão que surge a explicação acerca do passamento, sentido na telona com emoção. Ao invés de preparar a surpresa, essa distância sublinha a tortuosidade do relato, a flagrante inabilidade para encadear expressivamente fatos e outros dispositivos. Muitas ferramentas, pouca ourivesaria. Uma pena.

A dissipação frequente não é o único problema de Picuruta: A Lenda do Gato. Há uma inexplicável recorrência de planos-detalhe de derrières femininos resgatados das filmagens de outrora, o que acende um sinal amarelo à prevalência da testosterona. Isso é a chave para atentarmos à pouca presença de mulheres, inclusive entre os depoentes, algo absolutamente compreensível num primeiro momento, por conta das amizades basicamente masculinas de Picuruta, mas que não serve de escudo, por exemplo, quando esposa do protagonista é praticamente excetuada, relegada a uma esfera quase invisível. De maneira semelhante, a mãe dos Salazar é mencionada de passagem, o que assevera esse olhar parcial. A estrutura formal está mais próxima dos programas especializados em surf, com uma dinâmica invariável de testemunhos emoldurados por uma música tipicamente associada à modalidade que, nas transições, ganha volume para anteceder a troca de tomada. É a conhecida técnica do Sobe som, bastante utilizada na televisão.

Picuruta: A Lenda do Gato tem momentos emocionantes, como quando os irmãos retornam ao Havaí para relembrar episódios marcantes de uma juventude animada e bem-sucedida. Sobressai ali um tom nostálgico, ora bem-vindo pela beleza das memórias e dos sentimentos acessados, ora um tanto questionável, vide a leitura da agressividade da turma de Picuruta como algo peculiar, uma traquinagem de moleques. O documentário é claramente uma celebração devotada, sem espaço para arestas completamente encaradas. Tem jeito de exemplar televisivo, feito para glorificar um esportista que realmente merece o respeito e a posição no rol dos grandes surfistas brasileiros de todos os tempos. A intimidade de Picuruta, porém, acaba restrita ao círculo de amizades e ao trato com o pai que sempre apoiou o desejo de liberdade dos filhos. Próximo ao fim do filme, há a constatação da admiração das novas gerações. É pouco para um painel que se propõe amplo, mas que acaba chafurdando nos mesmos pontos durante boa parte de sua longa extensão.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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