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Crítica


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Sinopse

Slater King, um bilionário da área de tecnologia, conhece a garçonete Frida em sua festa de gala para arrecadar fundos. Ele a convida para se juntar a ele, e seus amigos, nas férias em um ilha particular.

Crítica

Em sua estreia como cineasta, chega a ser impressionante o quão certeira Zoë Kravitz consegue ser com o que pretende que seja dito – e entendido – em Pisque Duas Vezes. O trailer da produção, lançado meses antes de sua estreia com a nítida intenção de despertar curiosidade e interesse por uma trama original (o que é sempre saudável) e supostamente repleta de mistérios e reviravoltas, era também eficaz em distrair a audiência do que, de fato, estava por vir. Afinal, eis aqui uma história mais simples do que se poderia imaginar. E o melhor: por trás de seus eventos e personagens, há um forte manifesto feminista e contemporâneo, de leitura urgente e propício a um mais que bem-vindo debate. É claro que, como realizadora de primeira viagem, nem tudo a que se propõe Kravitz acerta. Mas a média é mais do que positiva, ainda mais frente ao forte desfecho e à evidente disposição que demonstra desde o primeiro instante em ir direto ao ponto, sem excessos ou contornos desnecessários.

Pisque duas vezes se estiver em perigo”, diz Frida ao ser apresentada a um estranho, numa tentativa um tanto desajeitada de se mostrar descolada e divertida. O que não imaginava, porém, é que este seria uma conselho mais indicado a ela própria do que a qualquer outro por ali. Sem foco no trabalho ou objetivo maior na vida, é uma daquelas jovens que acorda já com vontade de voltar para cama, chega invariavelmente atrasada ao trabalho e está sempre com o pensamento longe, desatenta e demonstrando desinteresse pelo que faz. A única coisa capaz de capturar sua atenção é Slater King, o bilionário que, após ter sido acusado de assédio e comportamento equivocado por algumas funcionárias, decidiu sair de cena passando o comando de suas empresas para uma diretoria de notáveis. Seu último comunicado foi um efusivo pedido de desculpas, assumindo a responsabilidade pelo que foi alegado e reafirmando o desejo de se tratar e se tornar uma pessoa “melhor”, afinal.

Eis que chega o dia em que Frida e Slater estarão juntos num mesmo ambiente. Não como ela imaginava – sentados lado a lado, de mãos dadas, perdidos um nos olhos do outro – mas por meio de uma dinâmica mais realista: ela como garçonete, ele sendo homenageado em um jantar de gala depois de ter voltado do retiro auto-imposto. Acompanhada pela melhor amiga, Frida tem um plano: assim que sua obrigação profissional se encerrar, decide trocar rapidamente de roupa e voltar para a festa, agora como penetra, tentando qualquer tipo de aproximação com o bonitão cheio da grana. E não é que seu intento acaba dando certo? Slater se demonstra quase hipnotizado pela presença da garota, a ponto de, no final da noite, quando ele e amigos mais próximos se preparam para sair, ousar um convite: e se as duas os acompanhassem até sua ilha particular para alguns dias de aventura, com boa comida, drogas e a possibilidade de deixar todos os problemas para trás. Esquecer é o que está sendo proposto, afinal.

Por mais que o elenco seja repleto de nomes interessantes e, em sua maioria, que há algum tempo não ganhavam tamanha exposição – como a oscarizada Geena Davis, o menino-prodígio (agora já adulto) Haley Joel Osment, o ex-ator pornô e comediante Simon Rex ou o fenômeno dos anos 1980/1990 Christian Slater – quem importa de fato é Naomi Ackie, que guarda por detrás dos seus expressivos olhos todo o espanto e o desespero com o qual irá se deparar assim que Frida começar a se dar conta da enrascada em que se meteu, Channing Tatum, que dissimula por meio de um charme quase irresistível as cruéis intenções de uma figura tão dissimulada quanto envolvente, e Adria Arjona, que vai da antipatia à sororidade sem atropelos, afirmando que frente a um perigo comum estará na união a única possibilidade de vitória. As dinâmicas estabelecidas entre os demais são por demais frágeis, não mais do que meros estereótipos (a gostosa, o bobo, o implicante, a organizadora). Mas entre esse trio a temperatura aumenta, não apenas pela disputa inicial, como também pela reconfiguração posterior que oferecerá ao conjunto novas possibilidades de leitura – e de entendimento.

Por mais que perca tempo dispondo das peças do seu jogo por meio de um cenário um tanto limitado – a ação se passa quase que inteiramente na tal ilha – assim que se percebe pronta para dizer a que veio, Zoë Kravitz trata de deixar de lado qualquer meandro ou atalho, expondo suas intenções de forma aberta. Atriz de relativo sucesso (entre seus trabalhos de maior repercussão estão a Mulher-Gato de Batman, 2022, e a minissérie Big Little Lies, 2017-2019), ela se reinventa não só como diretora, mas também roteirista (aqui tendo como parceiro E.T. Feigenbaum, com quem havia trabalhado na série High Fidelity, 2020). São as escolhas certeiras na trama e nos talentos que agrega, cada um contribuindo de uma forma diversa do seu colega, que aponta para uma visão ampla do conjunto. Sem esquecer, é claro, de dotar essa receita de um discurso poderoso e urgente, que justifica não apenas os esforços envolvidos, como merece também uma reflexão mais profunda. Poderia ser só um bom passatempo. Mas é mais. E por isso, indo além das intenções, que o resultado se mostra, enfim, digno de nota.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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